André Sarmento
Primeiro: Alvo Na terça 5, após 14 ameaças, José Eduardo, da Anistia, recebe em casa uma caixa, postada
em Pinheiros

Um dia sim, outro também. Duas bombas, suásticas nazistas e muitas mensagens pregando a tolerância zero a negros, judeus, homossexuais e nordestinos marcaram a Semana da Pátria em São Paulo. O primeiro petardo foi direcionado na segunda-feira 4, para o coordenador da Anistia Internacional, José Eduardo Bernardo da Silva. Tratava-se de uma bomba caseira, postada numa agência dos Correios de Pinheiros com endereço certo: a casa do coordenador em Higienópolis, bairro nobre da cidade, um dos preferidos da comunidade judaica. Uma hora e meia depois, foi a vez de o secretário de Segurança, Marco Vinício Petrelluzzi, de os presidentes das comissões Municipal e Estadual de Direitos Humanos, vereador Ítalo Cardoso e deputado Renato Simões, ambos do PT, receberem cartas ameaçadoras. Assinando “Nós os skinheads” (cabeça respada), os autores abusaram da linguagem chula, do ódio e da intolerância. “Vamos destruir todos os viados, pretos e nordestinos”, prometeram. Eles asseguravam também já terem escolhido os representantes daqueles que não se enquadram no que chamam de “raça pura” para receberem “alguns presentinhos”.

Como prometeram, era só o começo. No dia seguinte, terça-feira 5, o mesmo grupo mandou outra bomba, dessa vez para a associação da Parada do Orgulho Gay, no edifício Andraus, no Centro. A entidade, no dia 25 de junho, conseguiu reunir mais de 100 mil pessoas na avenida Paulista para comemorar o dia Mundial do Orgulho Gay. Quem encontrou a caixa, também postada pelos Correios e com as mesmas características técnicas (tubos de PVC com pólvora suficiente para matar mais de uma pessoa) foi Roberto de Jesus, presidente da entidade. O remetente assinava um nome alemão (Mark Huntfüher, que traduzido ao pé da letra seria “Mark cachorro líder”) com endereço na rua Antônio Carlos, 653, ironicamente, a sede da Federação Israelita Paulista.

Fotos: Caio Guatelli/Folha Imagem
Segundo alvo: Na quarta 6, Roberto de
Jesus, organizador da Parada Gay, é o
outro escolhido dos extremistas

José Eduardo Silva foi o primeiro alvo. Ao chegar da ginástica, recebeu do porteiro do prédio onde mora uma caixa de 30 centímetros, embrulhada num papel dos Correios. Em vez de subir para casa, foi para o jardim do prédio. Há um ano, após receber denúncias de preconceito contra homossexuais, negros e judeus, Silva vem sendo ameaçado de morte constantemente. Em sua secretária eletrônica foram deixadas gravações ameaçadoras em três línguas: inglês, francês e alemão. O histórico foi suficiente para manter-se em alerta e pôr em prática o que aprendeu em cursos feitos na Polícia Militar, antes de abrir o pacote. “Tive um pressentimento, desconfiei que se tratava de uma bomba”, contou. Para evitar a explosão, usou um estilete para cortar a lateral da caixa. Dali foi possível ver o fio que poderia acionar o detonador. O grupo especial da PM detonou a bomba no local.

“No início, me ligavam dizendo que eu era gay por estar defendendo os homossexuais. Depois vieram as ameaças”, afirma o coordenador. Não é a primeira vez que a Anistia é alvo de ataques explosivos. Ano passado, uma bomba-relógio foi encontrada na sede da entidade. “Por sorte, eu também vi o pacote antes de ele explodir.” A motivação: defesa contra o preconceito. O resultado: o fechamento da sede da entidade em São Paulo, que ficava no Campo Belo, local muito afastado e sem segurança.

Por determinação da Anistia, Eduardo saiu da cidade. Ele já escapou de três emboscadas no último ano e descreve os agressores como rapazes de pele e olhos claros, que usam carros qualificados como bons e armados de correntes e tacos de madeira. Eduardo fez um retrato falado de dois rapazes. A polícia também já tem a descrição da pessoa que enviou a bomba para a organização gay, obtida através de funcionários dos Correios. A agressão dos skinheads não é novidade no mundo homossexual. O caso mais chocante foi registrado em fevereiro, na praça da República. Um grupo de 25 jovens, os Carecas do ABC, surraram até a morte o adestrador de cães Edson Néris da Silva.

Ação – Em repúdio às bombas e à intolerância, a Federação Israelita, através do presidente Natan Berger, e a Anistia Internacional, por intermédio de uma ação urgente, exigiram providências imediatas por parte da polícia. “Agimos da mesma forma quando mataram o rapaz na praça da República e a polícia chegou logo aos criminosos”, disse Berger. Em Londres, sede da Anistia, a entidade disse que há um ano a polícia e o Ministério da Justiça brasileiros sabem das ameaças sofridas por José Eduardo. O ministro da Justiça e ex-secretário Nacional de Direitos Humanos, José Gregori, pediu à Polícia Federal que entrasse no caso. “É inadmissível que uma coisa dessa aconteça no Brasil”, disse. O secretário de Segurança de São Paulo defende a tese de que a divulgação excessiva de atos como esses na imprensa “serve para incitar outros grupos extremistas a cometer atos semelhantes”. A segurança no palanque do governador Mário Covas foi dobrada na quinta-feira 7, durante a parada militar no sambódromo. Foram destacados 500 policiais. No entanto, o governador relaciona as bombas ao período eleitoral e descarta a criação de um esquadrão antiterror. “Não creio que São Paulo seja o único lugar do mundo que tenha ataques de bomba.” De fato não é, mas São Paulo figura nas estatísticas do Grupo Gay da Bahia como o Estado que mais mata, em números absolutos, homossexuais no País.