Alcyr N. Silva
Insistência: Juarez Barreto não deixa passar ano eleitoral sem acusar
o governador

Desde 1996, sempre que se aproxima uma eleição, um empresário de 47 anos, nascido na Paraíba e naturalizado americano, ocupa um lugar de destaque no cenário político do Amazonas. Super-requisitado pela oposição, seu papel consiste em disparar venenosos mísseis contra o governador Amazonino Mendes (PFL) e seus aliados. Trata-se de Juarez Barreto Filho, dono da North American, empresa de exportação com sede em Nova York, que durante sete anos manteve negócios milionários com o governo estadual. Em meados de 1995, Barreto trocou o figurino de fornecedor de bom trânsito no Palácio para vestir a pele de vilão. Naquela época, o então secretário da Fazenda e atual vice-governador, Samuel Hanan, anulou uma concorrência irregular que colocaria nos cofres de Barreto mais de US$ 20 milhões. Ressentido, o empresário partiu para o ataque. Afirma para quem quiser ouvir que Amazonino recebe altíssimas propinas em uma conta em Luxemburgo, um paraíso fiscal europeu, e acusa Hanan de praticar remessas irregulares de dinheiro para o Exterior. “Em Manaus esse sujeito é bem conhecido. Ele tem um ciclo menstrual eleitoral bastante definido. Só se manifesta de dois em dois anos, nos anos pares, quando há eleição”, diz o vice-governador. “Nos anos ímpares ele se retrata.”

André Dusek
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que seu acusador não
merece crédito

Pelo vaievém de seus depoimentos, o papel de Barreto nas eleições do Amazonas poderia até ser apenas folclórico. Mas não é. Além de falar, o empresário exibe dezenas de documentos que, em tese, podem ser altamente comprometedores. Em maio, ISTOÉ teve acesso a diversos desses documentos, anexados a um inquérito na Procuradoria da República. Os mais contundentes são a ficha de abertura de uma conta corrente no Maryland National Bank em nome de Amazonino, um cheque de US$ 500 mil assinado por Barreto e depositado naquela conta e um extrato bancário que confirmaria o depósito do cheque. Em três depoimentos prestados ao procurador da República em Manaus, Sérgio Lauria Ferreira, o empresário explica que o pagamento fora feito ao governador como propina na compra de geradores de energia e conta detalhes de toda a operação. Com tanta documentação, o procurador Lauria entendeu que seria o caso de acusar formalmente o governador e encaminhou o inquérito ao procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro. Na mesma reportagem, ISTOÉ mostrava que Brindeiro arquivou a papelada em janeiro, com base em um documento assinado pelo próprio Barreto, em agosto de 1999. Ele inocentava o governador. Dizia que tinha sido movido por interesses políticos e não poderia responder pela autenticidade dos documentos. Além da carta, Brindeiro possui uma fita de vídeo, onde Barreto faz a mesma retratação. “Isso é um absurdo. Falsificaram minha assinatura e forjaram uma gravação. Jamais disse aquilo”, reagiu Barreto, depois de ler a reportagem.

Perícia – O procurador-geral arquivou o inquérito sem que antes tivesse submetido os documentos a exames técnicos ou mesmo investigado o conteúdo deles. Na quinta-feira 31, Barreto voltou à carga. Veio dos Estados Unidos e em Brasília prestou um novo depoimento. Reafirmou todas as acusações, assegurou que sua assinatura fora falsificada e foi além. “O advogado de Amazonino, Alberto Simonetti Filho, esteve em Nova York e me ofereceu dinheiro para retirar as acusações”, disse. “O falsificador é ele. Desde 1996 ele só apresenta xerox de documentos, promete encaminhar os originais, nunca cumpre a palavra e sempre que termina o período eleitoral vai a algum cartório para retirar o que disse antes”, conta Hanan. Na última semana, ISTOÉ recebeu os resultados de uma perícia encomendada aos peritos Donato Pasqual Júnior, Ricardo Molina de Figueiredo e Helena de Souza Brito. Tecnicamente, foram comparadas as assinaturas de Barreto na carta usada por Brindeiro para arquivar o caso e na ficha de autógrafos do Cartório do 4º Ofício de Notas de Manaus. O resultado é taxativo. “Ambas as assinaturas foram produzidas pela mesma pessoa”, escreveram os peritos após diversas comparações.

André Dusek
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mais atuante

No final de agosto, os mesmos peritos haviam constatado que a fita de vídeo em poder da Procuradoria não passou por nenhum processo de montagem nem contém trechos editados. “Estão fazendo alguma armação”, insiste Barreto. “Me proponho a realizar novas e oficiais perícias a qualquer momento.” Segundo Molina, um dos mais respeitados peritos do País, “não há a menor possibilidade de a fita ter sido montada. Não posso dizer se o que o rapaz falou é verdade ou não, mas que ele falou, falou”.

Contradições – “Espero que essas perícias não encerrem as investigações. Não pode ser desconsiderado o fato de o denunciante insistir em suas acusações e é dever dos procuradores apurar todos os documentos apresentados”, pondera o deputado estadual Mário Frota (PDT), um dos líderes da oposição à Amazonino, que articula a instalação de uma CPI para investigar o governador pefelista. O discurso do deputado é coerente, pois Barreto entregou aos procuradores dezenas de cheques e alguns extratos bancários que não foram investigados nem a suposta conta do governador foi checada no Exterior. Há indícios, porém, de que alguns desses documentos podem servir muito mais para a defesa do governador do que para a oposição.

No depoimento que prestou ao procurador Lauria em 1998, o empresário apresentou a cópia xerox de um extrato da suposta conta de Amazonino. Esse documento mostraria a entrada e posterior saída de US$ 500 mil na conta 0930953 do Maryland National Bank, em Luxemburgo. O extrato indica o código das operações, o número do cheque depositado e a data em que foi emitido. Quando esteve em Brasília na quinta-feira 31, Barreto entregou a ISTOÉ uma cópia desse mesmo extrato. O problema é que além das informações contidas na cópia entregue em 1998, agora o mesmo documento aparece com uma coluna a mais: a data em que teria sido feito o depósito. Mais estranho do que o dado adicional é o seu conteúdo. A operação teria sido feita em 23 de agosto de 1988 e o cheque tem a data de 23 de fevereiro de 1989. “Isso mostra que o documento é falso. Como pode alguém depositar e sacar hoje um cheque que será emitido no ano que vem?”, questiona o vice-governador Hanan. “Isso caracteriza os crimes de falsidade ideológica e de falso testemunho.”

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Antecedentes – O passado de Barreto também pode ser considerado como um ponto positivo em favor do governador Amazonino. Antes de vender geradores elétricos para o Amazonas, a North American havia feito negócios com a Centrais Elétricas do Estado de Rondônia (Ceron). Documentos obtidos por ISTOÉ mostram que esses negócios não foram tão lícitos. Em novembro de 1994, o então presidente da Ceron Alceu Brito Corrêa encaminhou uma circular a todas as centrais elétricas do Brasil informando que a empresa de Barreto não era “idônea” para participar de licitações. “A empresa não honra suas obrigações e se utilizou de artifício fraudulento, apropriando-se de numerários provenientes de recursos federais, por meio de saque de carta de crédito, dada em garantia do pagamento do objeto do contrato”, diz o documento. No ano seguinte, analisando toda a operação, o Tribunal de Contas de Rondônia decidiu: “Por terem fraudado documentos, inserindo declaração falsa com o fim de criar obrigação, ao emitir irregularmente fatura e conhecimento de embarque aéreo (….) ocasionando um prejuízo de R$ 863.060,50 à Ceron, caracteriza crimes de estelionato e falsidade ideológica.”

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A pecha de fraudador também persegue Barreto nos Estados Unidos, onde reside. Pelo menos dez processos civis contra a North American tramitam em Nova York. Em seis deles Barreto é acusado de falsificar documentos em diversas operações comerciais, inclusive na venda de café. Em um desses processos, durante audiência realizada em 30 de maio de 1997, o juiz John Gleeson, do Distrito Ocidental de Nova York, da Corte Distrital dos Estados Unidos, reportou-se ao advogado da North American da seguinte maneira: “O júri rejeita plenamente o testemunho do senhor Barreto (…) Não há nenhum questionamento de minha parte de que criou documentos (…) O senhor Barreto é uma fraude.” Em 28 de maio de 1998, o próprio Barreto admite em audiência ter falsificado documento. A seguir, parte do diálogo entre ele e o advogado Dayan Brashich, representante da Espess Trans, autora do processo contra a North American.

Brashich – Em 28 de dezembro não havia café a bordo do navio, certo?
Barreto – Sim senhor.
Brashich – O certificado de origem que o senhor assinou era falso?
Barreto – Sim senhor.
Brashich – Em 20 de janeiro o senhor recebeu US$ 526 mil?
Barreto – Sim senhor.
Brashich – E quando o senhor recebeu ainda não havia sequer embarcado um único quilo de café, certo?
Barreto – Sim senhor.

A ISTOÉ o empresário negou que tenha fraudado alguma coisa. Disse que de fato encontrou problemas com a Justiça americana porque seus negócios no Brasil foram boicotados pelo governo de Amazonino. “Eles me quebraram e me obrigaram a pedir concordata. Por causa disso é que existem os processos”, afirma.

Segundo o deputado Mário Frota, independentemente das razões que levaram Barreto a ser penalizado pela corte dos Estados Unidos, é preciso que suas denúncias contra Amazonino sejam definitivamente esclarecidas. O vice-governador Hanan concorda com isso. “Queremos que tudo seja investigado exaustivamente, mas se comprovados os crimes de falsidade ideológica e falso testemunho, também queremos que o autor desses crimes seja punido”, reclama.