Aconteceu lá pelos idos de 1950, numa pequena cidade do interior de Minas Gerais. O prefeito avisou que iria ligar, pela primeira vez, o único aparelho de televisão da cidade. Montou uma espécie de oratório no coreto da pracinha e a população correu ao local. Na hora marcada, o político acionou o botão e a tela ficou cheia de chuviscos. Não conseguiu sintonizar a programação. Mas o povo achou lindo os arabescos eletrônicos. Era o princípio de uma idolatria à televisão que chegaria ao ponto de, hoje em dia, muita gente não ter geladeira, mas não dispensar um aparelho de tevê. Não sem certa razão. Afinal, este eletroeletrônico onipresente é a grande diversão gratuita. Ao longo de 50 anos de atividade no Brasil, a serem completados no próximo dia 18, o veículo proporcionou muitas alegrias, tristezas e informação. Para comemorar a data com toda a gala merecida, a Associação dos Pioneiros, Profissionais e Incentivadores da Televisão Brasileira (Appite) programou pelo menos nove eventos em São Paulo. Um deles é a grandiosa exposição Televisão – 50 anos, em cartaz no Espaço Cultural da Caixa Econômica Federal, com objetos e 300 fotos contando a evolução da televisão, já que é época de relembrar grandes momentos, histórias e fatos curiosos, também registrados em livros.

O mais aguardado deles chama-se 50/50, da Editora Globo, que chegará às livrarias entre outubro e novembro e, como o nome indica, é composto de 50 depoimentos, 50 imagens, 50 datas e 50 programas célebres. A coordenação geral é de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, ex-comandante da Rede Globo e atual consultor da emissora. Ele assina a obra em co-autoria com Carlos Alberto Vizeu, Jorge Adib e Edwaldo Pacote, todos funcionários globais há muitos anos. “Não pretendemos, em momento algum, contar a história da televisão brasileira nem realizar uma análise crítica sobre sua programação”, adiantou Boni a ISTOÉ. A lista de depoentes, porém, já é conhecida. Das oito mulheres despontam nomes como Hebe Camargo, Lolita Rodrigues e Vida Alves.

No rol masculino, Silvio Santos optou por descrever a própria saga, começando pelos tempos em que era camelô até chegar a dono de um canal competitivo e bem estruturado, o SBT. Boni se eximiu de dar depoimento. “Não quis antecipar referências que constarão de um livro que pretendo escrever num futuro próximo.” Entre os outros lançamentos literários, a Objetiva acaba de colocar no mercado Almanaque da TV – 50 anos de memória e informação, de Ricardo Xavier, o Rixa, recheado de casos. Enquanto a Negócios Editora antecipa para meados deste mês Era uma vez… televisão, de João Loredo. A Fundação Assis Chateaubriand também prepara Tupi – pioneira da televisão brasileira, de Almeida Castro, ex-diretor da extinta emissora paulista, descrevendo o primeiro ano da televisão no Brasil. Histórias é o que não faltam. São recordações no mínimo surpreendentes. Lima Duarte, por exemplo, aos olhos atuais considera impossível o sucesso que Cristiane Mendes Caldeira fez no programa O céu é o limite, nos anos 50, respondendo sobre o escritor francês Marcel Proust. “Ela era apontada na rua, as pessoas torciam. Hoje, quem falar de Proust na tevê está louco, vai perder ibope para o bumbum da Tiazinha e vão perguntar se esse Proust é alguém da banheira do Gugu”, ironiza. Beatriz Segall também aponta sinais de decadência: “A tendência atual é descer ao gosto mais popular e desinformado.”

Hélcio Nagamine
VIDA: protagonista do primeiro beijo num homem e do primeiro
beijo numa mulher

Macunaíma – Se hoje é a diversão das multidões, nos primórdios a televisão era praticamente inacessível. Walter Avancini lembra que Assis Chateaubriand trouxe a tecnologia para o Brasil. “Mas teve de distribuir aparelhos porque não tinha para quem transmitir. Foi um início bem Macunaíma”, diverte-se o diretor, citando o livro modernista de Mário de Andrade. Em fase de língua afiada, o humorista Chico Anysio diz que mambembe não é a tevê do passado e sim a atual. “Temos um produto imbatível, as novelas. Mas perdemos no humor, no esporte, no jornalismo”, afirma. Sem querer fazer piada, ele compara: “Hoje eu me sinto na Globo como uma marionete sem cordões.” Com fios e traços totalmente plugados e integrados ao esquema global, o designer austríaco Hans Donner agradece a Deus o dia em que pousou no Brasil. “Eu e minha equipe viramos escola no mundo inteiro”, diz ele. Modestamente.

Anos de ouro – Para muitos profissionais da telinha, porém, quanto mais o veículo se moderniza, mais se arrisca a perder o charme. Nilton Travesso, diretor do programa Mais você, apresentado por Ana Maria Braga na Rede Globo, tem 65 anos de idade e 47 dedicados à televisão. Em sua opinião, os anos de ouro foram entre as décadas de 50 e 60. Não existia Ibope e, portanto, havia uma maior disposição criativa e o que imperava era o improviso. Travesso lembra que, em 1960, Sammy Davis Jr. veio se apresentar num show ao vivo exibido pela Record. Estava com uma fortíssima infecção intestinal e pediu que o caminho para o banheiro ficasse livre para dar uma corridinha estratégica sempre que a dor de barriga aumentasse. Consequência: todo o programa e intervalos foram pautados de acordo com as necessidades inconvenientes do cantor americano. Mas o que mais marcou Travesso foi a visita de Marlene Dietrich, em 1959. A atriz e cantora alemã estava ensaiando com bailarinas brasileiras quando teve um ataque. “Avise às suas meninas que a estrela aqui sou eu!” A questão era que Marlene, com 58 anos, não se conformava que elas levantassem as pernas mais alto do que ela.

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Max G. Pinto
Lolita: intérprete do hino à televisão

No folclore que normalmente ronda os bastidores, algumas passagens ainda não estão devidamente esclarecidas. Por exemplo, o motivo pelo qual Hebe Camargo não cantou o cafonérrimo hino da televisão composto por Marcelo Tupinambá e Guilherme de Almeida para a festa de inauguração da tevê no Brasil, em 1950. À época, Hebe disse que estava muito gripada. Lolita Rodrigues, que a substituiu na tarefa, dá outra versão: “Ela namorava um diretor de uma rádio que tinha outro evento para ir e quis levá-la. Por causa disso, até hoje eu carrego essa cruz.” É verdade. Lolita, hoje com 72 anos, pagou o maior mico. Vestindo a roupa com a qual se formou normalista, cantou um hino muito criticado por não fazer referências ao veículo que homenageava.

Vida Alves é outra veterana da extinta Tupi, hoje empenhada em criar o Museu da Televisão. Vida entrou para a história como protagonista do primeiro beijo na televisão. O “escândalo” aconteceu na primeira telenovela brasileira Sua vida me pertence, em 1951. Seu parceiro era o falecido Walter Forster. Café pequeno se comparado ao ósculo que ela deu em Georgia Gomide no teleteatro Calúnia, em 1963, também na Tupi. “Demos um beijinho rápido na boca”, conta ela. Além das “ousadias” que até hoje a perseguem, Vida Alves coleciona mais acontecimentos importantes. Três décadas antes de Você decide fazer sucesso instigando os telespectadores com seus dilemas interativos, a Tupi apresentava um programa que pode ser considerado o avô (ou bisavô) da atração global: Tribunal do coração, escrito e dirigido por ela. Inspirada em cartas dos telespectadores, Vida criava situações que depois eram debatidas na tela e, finalmente, recebiam o veredicto de um circunspecto juiz interpretado por Dionísio Azevedo. Nem sequer sonhavam com o 0800.

Modernidade – Ninguém nega que a tecnologia mudou muito a tevê. Em contrapartida, Nilton Travesso acha que a modernidade pode cortar a emoção e ferir o conteúdo. Muitos pensam o contrário. Boni – para quem já está reservado o papel de dono de um canal – acredita num futuro mais humano. Sua emissora terá sede em Taubaté, no Estado de São Paulo. “O canal não tem tanta importância quanto se pensa. Será uma geradora local utilizando 20% de seu espaço com produção própria e, a princípio, repetirá a Rede Globo nos outros horários”, minimiza. “No momento, estou me dedicando a percorrer os caminhos que unem a televisão e a internet.”

Se dependesse da apresentadora Hebe Camargo, o futuro da televisão seria um replay do passado. “Definitivamente, sou da época da tevê ao vivo, em que os problemas eram resolvidos na hora, com bom humor. Sou do tempo que antecede o videoteipe e gosto mesmo é de programas ao vivo”, determina. Hebe, uma contínua referência televisiva, dá um conselho para quem quer trabalhar nos próximos 50 anos da televisão brasileira: “Amor. Sem isso não dá. Não adianta ser bonitinho, porque sem amor não se faz tevê.” Conselho de loura sábia.
Colaborou Luiz Chagas (SP)

Expressões do tempo

A telinha inovada

Desde seu surgimento, a tevê tem sido reinventada pela tecnologia. Inovações importantes foram várias, incluindo o aparecimento dos canais por assinatura, cujas primeiras experiências no Brasil aconteceram em 1979, no Rio de Janeiro. A novidade em nível nacional, no entanto, só chegou em 1995, com a adesão de 1,3 milhão de assinantes. Segundo Alberto Pecegueiro, diretor de conteúdo da Net Brasil e da Globosat, no momento a tevê por assinatura se limita a um segmento de maior poder aquisitivo. O dado, porém, não o desanima. “Nos últimos 15 meses foi a mídia que mais cresceu no Brasil como investimento publicitário atraente”, garante. Daqui para a frente, a batalha é ampliar os 8% de audiência para 20%. O próximo passo é a tevê digital, que introduzirá na telinha imagens com qualidade de cinema. Fabricantes apostam que a nova tecnologia estará em funcionamento em 2002. Segundo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Paulo Saab, o setor exigirá investimentos de US$ 200 milhões. Inicialmente, os telespectadores terão de preparar o bolso porque os aparelhos digitais custarão de duas a três vezes mais do que os convencionais, mas os preços serão gradualmente reduzidos. Para a adoção do sistema, ainda falta a Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel) decidir entre os padrões europeu (DVB-T), o americano (ATSC) ou o japonês (ISDB-T). Agora só falta a tevê interativa, já em gestação.
Celina Côrtes


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