As cenas do solo seco e rachado e das represas sem água deixaram há alguns meses de retratar o semiárido nordestino para ilustrar a situação atual de São Paulo. Agora, a falta d’água histórica que afeta o Sudeste – a maior em 100 anos – traz com ela incêndios e desabastecimento nos maiores Estados do Brasil. A Cantareira, em São Paulo, virou símbolo da escassez por contar atualmente com apenas 4,1% de água em seu reservatório. A região foi castigada de domingo 12 a terça-feira 14 por um incêndio. O fogo só foi controlado após a intervenção de 40 bombeiros, dez guardas do Parque da Cantareira e 15 da Defesa Civil de Guarulhos, além de três helicópteros da Polícia Militar. O combate ao fogo resume bem a encruzilhada na qual se encontram os paulistas: as aeronaves retiraram água de um lago quase seco para despejar na mata em chamas.

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PERIGO
Fogo na área da Cantareira, em São Paulo: na segunda-feira 13,
os bombeiros receberam uma chamada a cada oito minutos

No Estado de São Paulo, na segunda-feira 13, dia mais quente do mês, os bombeiros receberam uma chamada para combater focos de incêndio a cada oito minutos. Dois meses e meio antes de encerrar o ano, o País já registra 71% a mais de queimadas que em relação a todo 2013. Considerando-se apenas os primeiros 15 dias de outubro, o aumento é de 113%. Os cenários mais críticos estão no Sudeste. No Rio de Janeiro, os incêndios aumentaram 3.841% na primeira quinzena do mês, pulando de 11 para 394 casos. Em seguida, estão o Distrito Federal (2.200%), São Paulo (1.727%), Espírito Santo (820%) e Minas Gerais (527%). Nesses lugares, o aumento mais que dobrou considerando o ano inteiro. Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e responsável pelo programa de monitoramento de queimadas e incêndios florestais, Alberto Setzer aponta que a estiagem é a maior culpada: “São localidades há semanas sem chuva, com temperaturas chegando a 35º, com umidade na faixa de 30%. Essa combinação é propícia para a propagação do fogo”.

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SUFOCO
Todas as regiões da capital paulista registram falta de água.
Sem o líquido nas torneiras, população tem recorrido a carros-pipa

Em relação à água, a situação é de calamidade em São Paulo. Uma semana depois de o governador Geraldo Alckmin (PSDB) ser reeleito no primeiro turno, a falta d’água atinge 13,7 milhões de pessoas em 70 cidades, de acordo com levantamento do jornal “O Estado de S. Paulo”. Bem menos, porém, confirmam oficialmente o rodízio: 38 dos 645 municípios. Além disso, todas as regiões da capital, por exemplo, registram falta de água. Carros-pipa estão por toda a parte. No momento, o governo discute aumentar bônus para quem economizar, conseguiu autorização judicial para usar o segundo volume morto da Cantereira e diz que as faltas são pontuais, apenas em endereços mais altos.

Dois dos Estados mais populosos do País, Rio de Janeiro e Minas Gerais, enfrentam problema semelhante. Há desabastecimento em massa no centro-oeste, zona da mata e sul de Minas. Em todo o Estado, 155 municípios decretaram situação de emergência por conta da seca, segundo a Defesa Civil. Maior distribuidora de água de Minas, a Copasa afirma que pelo menos 20 cidades estão com rodízio. No Rio, o cenário não é tão grave, mas preocupa. Em Barra do Piraí, 70% dos moradores estão sob revezamento de água. Em Angra dos Reis também ocorre controle dos recursos hídricos.

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Um dos maiores especialistas do mundo no assunto, o professor Benedito Braga, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, aponta três culpados pela situação atual. “Nenhuma crise tão grande acontece só por culpa do governo, do tempo ou do consumidor. É uma conjunção de fatores. Não estou minimizando o fator infraestrutura ou o consumo, entretanto o grande problema foi a falta de chuvas”, diz. De acordo com ele, sai muito caro construir represas com água o bastante para lidar com o pior cenário possível, como o atual. “O racionamento é o último recurso porque quando fechamos os dutos corremos o risco de a água poluída entrar no cano. Propus que o governo estabeleça um limite para cada domicílio. E que a partir disso o valor de cada metro cúbico adicional aumente exponencialmente. Quando sente no bolso a pessoa economiza”, afirma.

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FOTOS: JOSE PATRICIO/ESTADÃO; Marco Ambrosio/AE


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