Um dia ele acorda otimista. No outro, pessimista. Um dia, ele faz as ações das empresas descerem ladeira abaixo na bolsa de valores. No outro, é o dólar que sente sua mão pesada. Esse ser sem rosto, essa divindade com poder de mexer diretamente no bolso dos brasileiros ao influenciar no preço dos ativos fica com o humor ainda mais sensível às vésperas das eleições. Neste ano, com tantas reviravoltas no cenário eleitoral, “o mercado” está particularmente nervoso e reagindo com intensidade a cada nova pesquisa de intenção de votos para presidente, pois quer adivinhar qual será a política econômica dos próximos quatro anos.

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MAU HUMOR
Na segunda-feira 29, a bolsa caiu 4,52%, maior queda
desde 2011. Os investidores reagiram à alta da presidenta
Dilma nas pesquisas eleitorais

“O mercado” pode ser entendido como o conjunto de analistas de investimentos, consultores, bancos, operadores e grandes fundações. Curiosamente, desta vez, está reagindo não ao desconhecido, mas ao conhecido. Nos últimos dias, cada ponto a mais da presidenta Dilma nas pesquisas fez a bolsa cair e o dólar subir. A gangorra financeira mereceu um comentário irônico do ex-presidente Lula na segunda-feira 29, quando o Ibovespa recuou 4,52%, a maior queda em três anos, no auge da crise da Grécia: “Ouvi dizer que o mercado está nervoso porque a Dilma vai ganhar. Quero dizer a vocês que eu ganhei em 2002 e não pedi voto para o mercado. Eu ganhei em 2006 e não pedi voto para o mercado. A Dilma ganhou em 2010 e não pediu voto. Ela vai ganhar em 2014 e a gente pede voto é para cada mulher e para cada homem deste País”.

Não é verdade. Em 2002, o mercado tinha enorme desconfiança do que seria um governo do PT e o dólar chegou a bater em R$ 3,99. Lula divulgou a famosa Carta ao Povo Brasileiro na qual declarava que seria conservador na economia. Embora estivesse endereçada ao povo, a Carta tinha como destinatário o mercado – e eles viveram em paz por muitos anos. O próprio Banco Central quer saber as expectativas dos agentes financeiros e por isso semanalmente produz o Boletim Focus, que traz as previsões de crescimento e inflação do setor privado.

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CONVENÇÕES
O mercado se move por consensos e crenças de que a política econômica
deve seguir numa determinada direção, diz o professor
Antonio Corrêa de Lacerda, da PUC-SP

A razão de ser do mercado é tentar antecipar cenários e sair na frente. Seu horizonte é o curto prazo e a realidade às vezes fica em segundo plano. Importa mais a opinião da maioria do que será o futuro. Por isso, outra característica é se mover por consensos. “O mercado age segundo algumas convenções e crenças de que a política econômica tem de seguir numa determinada direção”, diz o professor Antonio Corrêa de Lacerda, da Faculdade de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ninguém quer errar sozinho e ficar exposto perante os pares.

Um aspecto das ciências econômicas é que elas alteram o objeto de estudo. “O governo tem razão quando diz que não existe avaliação imparcial que não afete a economia”, afirma André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos. “A análise altera a realidade, a recomendação de compra de uma ação interfere nela.” Nessas situações, a sociedade experimenta o poder do mercado, que se retroalimenta e suas profecias se auto-realizam. Se a ideia de que não há confiança para investir se dissemina, ninguém investe mesmo e a atividade econômica cai. Às vésperas das eleições, tudo ganha cores fortes. “As avaliações ficam mais emocionais e subjetivas”, diz Julio Sergio Gomes de Almeida, ex-secretário de política econômica e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para quem esse é um jogo para profissionais do qual o pequeno investidor deve se manter distante.

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Na opinião de Perfeito, o mal-estar entre a presidenta Dilma, os empresários e o mercado faz parte de um momento de transição do País. “As margens de lucro caíram muito, ganhar dinheiro no Brasil está mais difícil”, diz. “É mais simples falar que está tudo errado, aí sobem os juros e é fácil ganhar de novo.” Em 2012, por exemplo, o movimento de redução das taxas não ganhou apoio da sociedade, segundo o professor Lacerda, da PUC-SP. “Até quem tinha R$ 10 mil aplicados reclamou. É o vício do juro elevado e uma mostra de como a situação é complexa”, afirma ele. Para Perfeito, esta é uma nova fase do Plano Real, de enfrentamento das taxas historicamente elevadas. “Há uma tentativa ingênua de voltar ao que era em vez de inovar com produtos financeiros de mais risco”, acredita. Como o Brasil não fará essa travessia sem dores nem perdas, necessita mais do que nunca de líderes capazes de fazer uma boa condução desse processo.