Enquanto o Brasil acordava às 6h de 30 de setembro, Karl Lagerfeld abalava Paris no frescor fashion de seus 81 anos. Um boulevard parisiense virou cenário da passarela dentro do museu Grand Palais. Ali, o velho kaiser apresentou muito mais do que a coleção primavera-verão 2015 da icônica maison francesa. Fez um desfile para demarcar uma época. O que aconteceu foi uma autêntica Primavera da Moda. A Primavera da Chanel.

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Ao remontar com humor os protestos do passado, um Karl distante de Karl Marx, mas igualmente revolucionário na arena a que pertence, proclamou um novo futuro para a moda. Cristalizou o conceito de um vestir mais livre, confortável e socializado, ainda que a Chanel se mantenha no altar das marcas de luxo. Mas a elegância by Lagerfeld ganhou um sentido mais amplo. “Seja seu próprio stylist”, “He for she”, “Ladies first”, “Por um feminismo mais feminino” eram alguns dos cartazes do ‘protest-show’. “Achei divertido fazer uma manifestação de moda. Com um feminismo moderno e atual”, disse o estilista. “A Chanel não é uma moda de rua na realidade. Mas pode ser usada em qualquer circunstância. Não há qualquer imposição.”

A alma de Coco Chanel, que subverteu a moda feminina dando-lhe outro sentido, estava presente no desfile-manifestação. Mais do que nunca, ela era homenageada com a genialidade sensível do tutor de seu legado. Nas vozes estridentes de Gisele Bündchen, Cara Delevingne e tantas tops – ouvidas por megafones muito chiques por elas empunhados –, as modelos ganharam voz. Viraram mulheres reais. Era-lhes permitido conversar na passarela. Berrar. Rir. E a moda conquistou mais atitude. O desfile-manifestação consolida a imagem de Karl Lagerfeld como um divisor de águas da moda do século XXI.Numa dimensão paralela, é impossível não lembrar de Joãosinho Trinta, quando o genial carnavalesco acordou o Brasil transformando lixo em luxo na passarela do samba carioca, em 1989. Mas Paris é Paris. Incomparável. Chanel e Karl Lagerfeld também. A verdade é que só Karl e o poder icônico da maison francesa poderiam usar a emoção e a beleza acalorada das massas manifestantes num desfile luxuoso, sem riscos de cair na caricatura. Tinha que ser Karl – não o que escreveu “O Capital”, mas o kaiser fashion – o porta-voz da mudança que empurra a moda para o epicentro do mundo real.

Com o ‘protest-show’, a moda se une ao mundo
por onde a humanidade quer caminhar

A passeata da Chanel usou a força do glamour para recosturar o sentido de liberdade, igualdade e fraternidade. O sublime choque que surpreendeu Paris celebrou a estética dos movimentos sociais. Depois de setembro de 2014, a moda conecta-se ao novo mundo por onde a humanidade quer caminhar. Elegância libertada. Moda de alta qualidade. Genialidade sem idade. Assim caminha a humanidade de Karl Lagerfeld. Assim brota e floresce a Primavera da Chanel.