No domingo 5, às 8 horas da manhã, quando as sessões eleitorais começarem a receber os 140 milhões de brasileiros aptos a escolher o presidente da República pelos próximos quatro anos, o País vai comemorar o período mais longevo de transferência de poder entre civis por meio de eleições diretas, livres e universais. São apenas 25 anos, um simples quarto de século nos 514 anos de história do Brasil. Trata-se, claramente, de um marco simplório quando comparado a democracias mais maduras que a brasileira, como a norte-americana, por exemplo, mas de imensa importância para um país que vive hoje o mais longo período democrático de sua história.

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NAS RUAS
A disputa entre Lula (à esq.) e Collor (à dir.) tomou o País, com comícios
e carreatas que reuniam dezenas de milhares de pessoas

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Foi em 1989, quase três décadas depois da última eleição direta para presidente, que o brasileiro voltou a ter o direito de escolher por conta própria, sem intermediários, quem iria governá-lo. Antes, a última vez que o país foi às urnas para escolher seu principal mandatário havia sido em 1960, quando, com pouco mais de cinco milhões de votos, Jânio Quadros foi eleito presidente da República. Jânio, assim como Fernando Collor de Mello, o eleito em 1989, não terminou seu mandato. Sete meses após assumir, renunciou, enquanto Collor foi cassado.

O hiato democrático entre essas duas eleições transformou a corrida à Presidência da República em 1989 em um pleito intenso, disputado, repleto de superlativos. Todas as forças políticas, econômicas e sociais acreditavam ser capaz de conquistar os brasileiros, fazendo o primeiro presidente da República após o longo período de ditadura militar. “Primeira eleição presidencial direta depois de 29 anos, a disputa de 1989 realizou-se num clima de expectativas exageradas, como se fosse resolver todos os problemas do país”, diz o cientista político Bolívar Lamounier. “Infelizmente o resultado dela foi frustrante.”

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De fato os brasileiros buscavam, naquele momento, um salvador da pátria, alguém com poderes quase divinos, capaz de eliminar os sérios problemas que o país enfrentava. O fim do milagre econômico e o segundo choque do petróleo, no fim dos anos 70, fizeram o Brasil mergulhar em uma espiral de crises financeiras. Sem reservas para pagar a crescente dívida externa, o país adotara mais uma vez naquele ano a moratória. José Sarney, que adotou uma polêmica estratégia de congelamento de preços, finaliza seu governo derrotado pela inflação. Em novembro de 1989, o mês da eleição, ela batia nos 40% ao mês e, no acumulado do ano, superava os 1.750%. O país estava quebrado.

Nada menos do que 22 candidatos se apresentaram para concorrer às eleições. Desde nomes importantes no cenário político brasileiro das últimas décadas, como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Aureliano Chaves, Paulo Maluf, passando por forças políticas em ascensão, como Luiz Inácio Lula da Silva, Mário Covas, Afif Domingos, Fernando Collor de Mello, até nanicos que se notabilizaram pela excentricidade, como Enéas Carneiro, Marronzinho e Lívia Maria, a primeira mulher a concorrer à Presidência da República na história do país. “Foi o início de um longo processo penoso de construção política, que não se encerrou ainda”, diz o professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, Fábio Wanderley Reis. “Naquele momento ainda havia uma visão muito personalista.”

Foi uma eleição marcada pela exacerbação da persona de cada candidato. Collor, o caçador de marajás, o jovem que iria transformar o Brasil em uma nação de primeiro mundo; Lula, o líder operário que prometia uma democracia do proletariado; Brizola, o caudilho nacionalista que não aceitava curvar-se às forças internacionais que desejam explorar as riquezas do país. Lula e Brizola dividiram os votos da esquerda, enquanto Collor, com apoio maciço da imprensa, do empresariado e com uma campanha moderna e inovadora, aglutinava a preferência da classe média brasileira.

Foi uma eleição de imensa participação popular, com comícios reunindo dezenas de milhares de pessoas. Militantes pagos, tão comuns hoje em dia, eram quase um atentado aos bons costumes eleitorais. “A campanha em si de 89 foi um grande momento, só pelo fato de ela ter sido possível e sem intervenção militar”, diz Reis.

Após quase um ano de campanha, a eleição que trouxe de volta o direito de o brasileiro escolher seu presidente terminou em um debate político entre Collor e Lula na televisão, com Collor saindo-se melhor e com um claro apoio da TV Globo na edição final do embate. “Até o debate Lula aparecia em primeiro lugar, mas ele foi mal, o desempenho foi tão ruim, que ele caiu nas intenções de voto. Especialmente depois de a Globo ter editado trechos do debate com os melhores e piores momentos”, diz o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília.

Era um outro Brasil. Sem internet, sem redes sociais. Hoje, dificilmente, algo semelhante teria tamanho impacto. O Brasil mudou, sem dúvida. Mas, como em 1989, os desafios para a manutenção da democracia permanecem.

História republicada

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As eleições de 1989 trazem não só uma importância histórica para a democracia brasileira. Elas mostram também a profunda transformação que o Brasil passou nesses 25 anos. Para entender melhor tamanhas mudanças, nada melhor do que saber o que pensavam as principais figuras políticas daquela época. Gente como Lula, Ulysses Guimarães, Collor de Mello, Brizola, Mário Covas, enfim, os principais nomes da elite política do país, deu seu testemunho à Istoé ao longo de todo aquele ano em entrevistas e reportagens. Para comemorar os 25 anos das eleições de 1989, Istoé está publicando em seu site, na íntegra, diversas entrevistas dos principais candidatos à Presidência da República naquele ano. Todo o conteúdo está disponível, gratuitamente aqui.

Fotos: Niels Andreas, Chico Ferreira –Folhapress


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