Os pais estão entre felizes e confusos: afinal, quem é esse Harry Potter que está fazendo a cabeça de seus filhos? Crianças que antes eram dominadas por desenhos japoneses e jogos eletrônicos estão agora compenetradas com um livro que tem como personagem central um menino tímido, quase feio, quase infeliz, quase bruxo, mas totalmente sedutor. Ele enfeitiça crianças, adolescentes e até adultos. Criada pela escocesa Joanne K. Rowling, a história do bruxinho está sendo contada numa série que terminará na sétima edição. O quarto volume, Harry Potter e o cálice de fogo, já saiu do prelo no Brasil com a tiragem recorde de 100 mil exemplares. A julgar pela rapidez com que está sumindo das prateleiras, vai esgotar. Para esse batalhão de fãs, não há mistério a desvendar: Harry Potter vende porque é bom e ponto final. Para alguns analistas, entretanto, não é tão simples assim.

Os leitores se identificam com Harry Potter, mesmo sendo ele um garoto órfão, bruxo e, fisicamente, um anti-herói? A psicanalista infantil Ana Olmos diz que sim. “A vivência da exclusão, rejeição, solidariedade, inveja, a coexistência do bem e do mal, tudo isso está presente em todos nós. O fato de o personagem estar fora da idealização do bonitinho, do perfeitinho, não impede que ele pertença ao universo verdadeiro da criança e seja possível a identificação”, explica ela. Ao apontar o que mais lhe chama a atenção em Harry Potter, Lia Wyler, autora da irretocável tradução, mata a charada: “Ele ri, chora, sente insegurança, mente, é leal com os amigos. Enfim, é um menino possível, vivendo um universo de fantasia.” Quem não gostaria de estar em seu lugar?

Com a credencial de pai de fã, Fernando Serra, coordenador de pós-graduação da Universidade Cândido Mendes de Ipanema, no Rio, analisa a irresistível atração. “Harry Potter mostra o futuro, fica invisível, vê o que as pes-soas pensam, muda o que incomoda, voa… Estimula a criatividade da criança.” Sua caçula, Olívia Paraíso de Campos Serra, 11 anos, não aguenta esperar o lançamento dos livros no Brasil e pede ao pai para comprá-los em Portugal, um dos países em que a série está no quinto volume e para onde ele costuma viajar a trabalho. “Tem aventura, um pinguinho de medo, emoção, suspense. Ele é meio desengonçadinho, mas eu também sou de vez em quando…”, defende a garotinha.

Numa resenha, a escritora infantil Ana Maria Machado disse que a série “é boa, sim, mas não tem nada demais”, e atribuiu ao eficiente marketing de lançamento a responsabilidade pelo enorme sucesso. “Não quero endeusar essa obra e nem sentar o pau, porque não é um horror”, afirmou ela. A psicanalista Ana Olmos, entretanto, rebate: “O marketing é bom, mas não teria resultado se o produto não tivesse os elementos capazes de mobilizar a paixão.” Ruth Rocha, também escritora infantil, concorda. “Não li Harry Potter, por isso não posso julgar. Mas acredito que a autora escreva bem. Do contrário, não faria sucesso”, diz ela. Paulo Rocco, dono da editora que lança Harry Potter no País, acha que o fenômeno repercutiu no mercado: “Essa série deu mais visibilidade a toda literatura infanto-juvenil.”

É uma boa discussão, sobretudo, vale repetir, porque não estamos falando de desenhos japoneses e, sim, de livros. Como lembra Ana Maria Machado, o gosto pela leitura acontece de várias formas, por vários caminhos. Se Harry Potter convida aos livros, ótimo. Em alguns casos, o convite se desdobra em convocação, como aconteceu com o brasiliense Agnaldo Pereira. Seu filho, André, 9 anos, praticamente obrigou-o a criar o site Clube do Harry (www.clubedo harry,hpg.com). Há menos de um mês no ar, o clubinho já tem 300 associados cadastrados, todos com muitas exigências. “Chat, jogos online, classificados, trechos dos livros, papel de parede, cartões-postais… Eles querem cada vez mais”, diz Agnaldo. “Eles trocam livros, fazem pesquisas, inventam jogos”, diz o pai, com ares de quem se considera recompensado pelo trabalho.

Atentos ao fenômeno, alguns colégios estão pegando carona na animação dos alunos e levando o tema para os trabalhos escolares. Josué Gomes Menino, 15 anos, era aluno do Colégio Fornari, de São Bernardo do Campo, quando um professor pediu para sua turma ler um dos livros. Ele caiu de amores e isso o motivou a abrir uma página na internet, a hogwartsbr.hypermart.net, e soltar a fantasia. “Criei o concurso fanfics (continuação da história). Os participantes terão que escrever o que Harry faria numa escola para crianças com distúrbios psicológicos, sem usar magia, apenas a inteligência”, explica. Também foi no ambiente escolar que Francisco Eller, o Chicão, 7 anos, filho da cantora Cássia Eller, aprendeu a gostar do bruxinho. O responsável por toda essa paixão é o colega de classe, Antônio Jardim, da mesma idade, um autêntico harrypottermaníaco.

Invejado proprietário de vários produtos com a marca do bruxinho – comprados no Exterior pelos pais –, Antônio também ambiciona algo que jamais será comercializado: “Eu queria falar com aquele espelho que mostra os sonhos.” Em breve, ele poderá aumentar o seu arsenal aqui mesmo: o editor Paulo Rocco adquiriu licenciamento da Warner para comercializar produtos de papelaria com a marca HP. A partir de outubro, a Mattel estará colocando no mercado bonecos da turma Harry Potter, baseados no filme que será lançado no final do ano. Mas, assim como Antônio, Chicão quer algo difícil de ser realizado: “Eu queria voar como Harry Potter”, diz. Maria Eugênia Martins, companheira de Cássia Eller, conta que Chicão se esforça para ler as páginas sem ilustração. “O principal mérito é criar laços de amizade entre ele e os livros”, afirma Maria Eugênia. E, de quebra, estimular a crença de que o mundo pode ser melhor: nessa luta, o bem vence o mal e a verdade triunfa.  

Colaborou Carla Gullo

Harry Potter, o filme

Para quem acha exagero o que está acontecendo em torno de Harry Potter, espere até estrear o filme Harry Potter e a pedra filosofal, título do primeiro livro da série. A Warner Bros vai botar em campo não só o filme como também uma enorme variedade de produtos, incluindo os virtuais. A produtora, dona da marca, já iniciou a caça aos 150 mil sites espalhados pelo mundo e aos jogos online que usam o universo do feiticeiro. O filme estréia na Inglaterra e nos Estados Unidos, em novembro. No Brasil, provavelmente em dezembro. O primeiro cogitado para dirigir a história foi Steven Spielberg. Mas a autora do livro, J. K. Rowling, queria um filme com gente e o diretor, com animação. Ela venceu. A direção coube a Chris Columbus (de Esqueceram de mim). O vilão Voldemort, espécie de alma sem corpo próprio, deverá ser a única criatura animada por computador. O personagem central é o menino inglês Daniel Radcliffe.