Com cinco anos de atraso, chega às livrarias brasileiras “Trótski – Exílio e Assassinato de um Revolucionário”. Escrito pelo americano Bertrand M. Patenaude, pesquisador da Hoover Institution Library and Archives, da Universidade Stanford (EUA), o livro, da Zahar, é um mergulho nos três últimos anos de vida de um dos principais dirigentes da revolução russa de 1917. León Trótski, nome de guerra do ucraniano Lev Davidovich Bronstein, foi assassinado no exílio mexicano em 1940, com um golpe de picareta desferido pelo espanhol Ramon Mercader. O mandante, seu arqui-inimigo, Joseph Stalin, vencedor na fratricida luta pelo poder, desencadeada com a morte de Lênin, em 1924. Amparado numa sólida pesquisa histórica, o autor reconstrói as atribulações de um homem encurralado, banido de seu país e perseguido por seus inimigos por onde quer que andasse. Tratava-se de um dos períodos mais turbulentos da história, marcado pela ascensão do totalitarismo e a impotência das democracias em barrar o militarismo, que culminou na Segunda Guerra Mundial.

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Ao desembarcar no porto de Tampico, em 1937, Trótski, acompanhado por sua mulher, Natalia Sedova, estava longe de exibir a figura severa e arrogante dos tempos de glória, em que arrastava multidões para ouvi-lo discursar nas praças e nos teatros em Moscou ou que conduzia o Exército Vermelho. Como escreve Patenaude, ao pisar em solo mexicano parecia um tanto hesitante e inseguro. “Trajado de paletó tweed e bombachas, carregando uma bengala e uma pasta, projetava uma imagem de respeitabilidade civilizada, em nada se parecendo com um revolucionário desafiador”, escreve Patenaude. Na verdade, quem desembarcava depois de viagem de quase três semanas, acolhido pela generosidade do presidente Lázaro Cárdenas, era o “Profeta Desarmado”, para usar uma expressão de Isaac Deutscher, notável biógrafo do líder. Nos três anos em que permaneceu no México, o único país a conceder-lhe refúgio, Trótski e sua mulher viveram quase na condição de prisioneiros, enclausurados na maior parte do tempo entre quatro paredes das diferentes casas em que moraram, cercados de guarda-costas, com raros momentos de lazer.

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VIDA EM COMUM
A mulher de Trótski, Natalia Sedova, soube das traições do marido,
que a reconquistou com bilhetes lascivos

Embora tenha como pano de fundo sua trajetória revolucionária, é justamente o peso concedido ao cotidiano do exilado russo que distingue o trabalho de Patenaude das dezenas de biografias e escritos sobre o fundador da IV Internacional. Não faltam relatos sobre o cotidiano que humanizam o mito, revelando atributos admiráveis, como a inteligência superior, a integridade política, o talento literário e o comprometimento com a causa dos trabalhadores, mas que conviviam com traços deploráveis de personalidade e desvios de comportamento. Pode-se ver ali o homem irascível, exigente e cruel, que não poupa os colaboradores mais próximos e dedicados, nem mesmo o filho Liova, morto prematuramente, aos 32 anos de idade, numa suspeita clínica de Paris, dirigida por médicos russos emigrados. Obcecado pela política, Trótski, diz Patenaude, dava a impressão de alguém que havia estudado o manual de como não conduzir uma amizade. “Ele não tinha nenhum amigo de verdade”, afirmou Max Eastman, outro biógrafo e seu tradutor americano. “Um após outro, homens fortes sentiam-se atraídos por ele em razão de seus feitos e seu raciocínio íntegro e brilhante. Um após outro, eles se afastavam.”

Trótski, na descrição do autor, parecia reservar seus melhores sentimentos aos coelhos e galinhas que criava em suas duas casas-fortalezas, no bairro de Coyoacan, na Cidade do México, e às mulheres, não necessariamente nessa ordem. O livro detalha o tórrido romance com a pintora Frida Kahlo, mulher do muralista Diego Rivera, o homem que acolheu em sua casa e sustentou financeiramente Trótski e sua entourage durante a maior parte do exílio mexicano, até o rompimento público, um pouco antes de sua morte. Não faltavam bilhetes entregues sorrateiramente e encontros furtivos na casa de Cristina, irmã de Frida, que escandalizaram seus seguidores e chegaram ao conhecimento de Natalia. A separação foi inevitável. O “Velho”, como era chamado pelos camaradas, acabou passando algumas semanas fora da capital, numa fazenda que pertencia a Frida e Rivera. Ali, ele e a amante, conhecida como uma predadora sexual (leia ao lado), resolveram pôr um fim ao caso. Foi da fazenda que ele escreveu um bilhete para Natalia que poderia figurar nos anais da correspondência erótica. “Desde que cheguei aqui, nem uma vez meu pobre pau ficou ereto.

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DE PERTO
Quarto da casa onde o líder russo morou no México: biografia se destaca
por dar ênfase aos relacionamentos pessoais de Trótski

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Ele também está repousando das tensões destes dias. Mas, apesar disso, estou pensando ternamente na sua velha e querida boceta”(…). O casal Trótski e os Rivera continuaram se frequentando, como se nada tivesse acontecido, para desconsolo de Natalia.

No entanto, a sexualidade à flor da pele não desviou o revolucionário de suas preocupações centrais no período: criar um partido, combater o que considerava como desvios políticos de Stalin, a quem chamava de “coveiro da Revolução”, defender sua própria honra da difamação stalinista e alertar a opinião pública mundial para o perigo da ascensão de Hitler. Tentava ao mesmo tempo fazer dinheiro, por ser obrigado a investir cada vez mais em sua segurança, ameaçada pela terrível perseguição de Stalin, que já ceifara a vida de Liova e dos outros três filhos seus. Em vão: após uma primeira tentativa frustrada de um assalto praticado por comunistas mexicanos, liderados pelo grande rival de Rivera, o muralista, David Alfaro Siqueiros, Trótski acabou encontrando seu fim. No dia 20 de agosto de 1940, três meses antes de completar 61 anos de idade, pelas mãos assassinas de Mercader, que havia se infiltrado em seu grupo próximo. Cumpria-se assim não apenas o mau pressentimento que o acompanhava desde o desembarque em Tampico, três anos e meio antes, mas também a fatídica previsão da “Time”, ao comentar sua chegada, em 1937. Numa referência à violência incrustada na vida política local, a revista americana publicou: “Hoje Trótski está no México – o país ideal para um assassinato”. Bingo.

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Foto: Bettmann/CORBIS


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