Dor e inconformismo marcaram a despedida de Marcelo Fromer, guitarrista do grupo Titãs. Vítima de atropelamento, o músico paulistano de 39 anos morreu na quarta-feira 13, depois de 44 horas em coma no Hospital das Clínicas, em São Paulo. Pelo menos três mil fãs foram ao velório, no Cemitério da Paz, no Morumbi, além dos amigos e da família. Os filhos do segundo casamento, que moram em Portugal, Alice, 7 anos, e Max, 5, chegaram por volta das 15 horas, e causaram comoção. Suzi, 17, a mais velha e filha do primeiro casamento do músico, não saía do lado da avó Lúcia. Os Titãs despediram-se do parceiro cantando o sucesso Pra dizer adeus.

Às 10 horas de segunda-feira 11, Fromer saiu de sua casa, na Granja Vianna, na Grande São Paulo, dizendo ao caseiro que iria viajar ao Rio de Janeiro para gravar o 13º disco da banda. Dirigiu-se para o flat, onde costumava ficar durante a semana. Combinou um jantar com a namorada, a jornalista Karen Kupfer, e no fim da tarde saiu para fazer cooper.

Eram 18h30, quando ele parou na faixa que divide as pistas da avenida Europa, na zona sul da cidade. Com a visão prejudicada pelo lusco-fusco e a precária iluminação, talvez nem tenha percebido quando um veículo em alta velocidade o atingiu pelo lado esquerdo. De acordo com o testemunho de Fábio Teixeira Lima, um auxiliar de cozinha de 30 anos que diz ter visto o acidente, o músico foi atropelado por um homem numa moto – uma Honda Bizz ou uma Yamaha Krypton –, que fugiu sem prestar socorro. Inconsciente e sem documentos, Fromer ficou estendido no chão por longos minutos enquanto testemunhas chamavam o resgate. “Ele deve ter sido atingido pelo capacete do motoqueiro”, acredita o delegado Élson Alexandre Sayão, do 15º Distrito policial, onde foi registrada a ocorrência. Na quinta-feira 14 a polícia deteve um motoqueiro suspeito de ter provocado o acidente. Foi interrogado e liberado em seguida. Um legista do Instituto Médico Legal, que prefere não se identificar, afirma que dificilmente alguém numa moto tão pequena poderia atingir uma pessoa na cabeça. Ele levanta a possibilidade de Fromer ter sido pego por um veículo maior.

A chegada da ambulância ao Hospital das Clínicas só aconteceria às 19h09, com o músico em coma profundo, grave trauma crânio-encefálico e facial, obstrução das vias aéreas e escoriações pelo corpo. O guitarrista deu entrada no HC sem ser identificado. A primeira a saber da tragédia foi a namorada, a jornalista Karen Kupfer. Estranhando que ele não aparecia para jantar, como haviam combinado, ela ligou para a polícia. O amigo Daniel Klabin reconheceu Fromer por uma tatuagem no braço esquerdo. No início da madrugada, quando os Titãs, os pais de Fromer e amigos chegavam ao hospital, o músico era submetido a uma cirurgia para descompressão do cérebro. Pela manhã, o pai, Joaquim, avisou: “Marcelo está morrendo.” No dia seguinte, às 15h, a morte cerebral de Fromer foi confirmada pela direção do HC. Como era seu desejo, a família fez com que seu coração, rins, córneas, fígado e pâncreas fossem doados para transplante.“Assim como seus órgãos sobreviverão nos corpos de outras pessoas, a arte dele continuará na música e no espírito dos Titãs”, disse o titã Branco Mello, em comunicado aos fãs.

  “Marcelo foi um permanente doador de alegria. Durante mais de 20 anos, convivemos com ele diariamente. É impossível expressar a importância que ele teve não só na música como na vida de cada um de nós”
Branco Mello, vocalista da banda, em comunicado aos fãs
 
“Vamos viver esse luto para sempre. Mais difícil que aceitar a morte do Marcelo foi saber que a pessoa que o matou fugiu sem sequer lhe prestar socorro. É claro que nada vai trazer meu irmão de volta, mas o culpado tem de ser punido”
Thiago Kairovski, irmão
 
 
  “Marcelo viveu para ter e dar prazer. Nada lhe dava mais satisfação do que falar de futebol, escrever sobre comida e fazer música. Nossos jantares no restaurante Antiquarius viravam mesas-redondas. Todo mundo parava para ouvir”
Serginho Groisman, apresentador
 
“Ele foi um grande amigo, sempre disponível para tudo e para todos. Nunca deixou o sucesso subir à cabeça. Tínhamos um programa de rádio e ele estava escrevendo a minha biografia. O Nando Reis vai tocar o projeto”
Walter Casagrande Jr., ex-jogador e comentarista esportivo

 

A morte de Marcelo Fromer não significa uma perda enorme só para os Titãs. De certa forma, Fromer também representava uma geração que, no auge da juventude nos anos 80, enxergava o Brasil de forma crítica, mas bem mais divertida, irreverente e menos perigosa que os militantes políticos da década anterior. Com os Titãs, o guitarrista, inicialmente primitivo, mas depois tão impulsivo quanto o som da sua banda, entoou vários dos hinos básicos do rock nacional. Comida, Homem primata ou Bichos escrotos estiveram na boca de jovens e adolescentes durante anos. Foi uma mudança gradual, desde o início do grupo, em 1982, como Titãs do Iê-Iê. Quando optaram só pelo primeiro nome, começaram sua escalada até alcançar o posto de maior ou melhor banda do rock brasileiro, dependendo do ponto de vista crítico de cada um. Nos últimos tempos, com a maturidade que a proximidade dos 40 anos favorece, Fromer vinha paralelamente se dedicando a outras atividades, entre elas a de crítico gastronômico do jornal O Estado de S. Paulo. Toda sexta-feira, assinando a coluna Você tem fome de quê?, também título de seu livro de culinária, ele deliciava os leitores com textos saborosíssimos e muito bem escritos apenas sobre os restaurantes que apreciava. Não achava justo falar mal de onde não gostava porque prejudicaria a casa.

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Inquieto, verbo rápido, Fromer era um amante do esporte. Jogou tênis por muito tempo e adorava futebol. Preparava uma biografia do amigo e ex-jogador Walter Casagrande. Em parceria com Tony Bellotto, o outro guitarrista dos Titãs, vinha compondo freneticamente para o próximo álbum do grupo. Será o primeiro disco inédito desde Domingo, de 1995. Os três posteriores foram calcados em repertório conhecido e nas canções preferidas de seus integrantes. Ex-estudante de matemática, com Sérgio Britto (voz e teclados) integrava a comissão burocrática dos Titãs, cuidando de seus interesses. Ao que tudo indica, a banda não vai acabar, mas a velocidade alegre da guitarra de Marcelo Fromer, certamente, por muito tempo ainda rondará a aura dos Titãs.

 

Golpes no rock
 

O rock brasileiro sofreu duros golpes nos últimos meses. No dia 9 de novembro de 2000, Marcelo Yuka, do O Rappa, levou seis tiros durante um assalto no Rio. No dia 4 de fevereiro deste ano, Herbert Vianna caiu de um ultraleve em Mangaratiba, Angra dos Reis. Os dois ficaram paraplégicos. Lucy, a mulher do líder dos Paralamas, morreu.

Agora, o juiz da comarca de Mangaratiba, Luiz Antônio Valtera do Nascimento, quer evitar o arquivamento do inquérito que apura o acidente. Herbert poderá ser indiciado por homicídio culposo (sem intenção). Poderá ainda ser enquadrado no artigo 261 do Código Penal pelo crime contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo. Segundo o juiz, testemunhas teriam dito que Herbert fazia manobras perigosas perto do condomínio onde o ultraleve caiu. .


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