Depois que o E.T. de Varginha e os chupa-cabras resolveram passar uma temporada em território brasileiro, muita gente deixou de acreditar em saci – personagem imaginário do interior do Brasil, ora visível, ora invisível. Virou coisa do passado. Mas, na região de Botucatu, interior de São Paulo, eles voltaram a aparecer – com pito no canto da boca e carapuça vermelha. Dar nó em crina de cavalo, bagunçar as roupas estendidas no varal, sumir com óculos e ferramentas, coalhar o leite e desandar o doce são suas estripulias prediletas. E tudo culpa do engenheiro José Oswaldo Guimarães, 39 anos, que foi buscar dois casais de sacis em Itajubá, sul de Minas Gerais, e obteve permissão para “criá-los” no sítio de um amigo. “Os sacis andavam sumidos de Botucatu por causa do desenvolvimento. Com a urbanização e a luz elétrica, muitos morreram ou fugiram. Eles odeiam a claridade”, explica Guimarães, sério como se criar sacis fosse a coisa mais normal do mundo. Para ele, de fato é. Guimarães preside a curiosa Associação Nacional dos Criadores de Saci. Fundada há dez anos, com sede em Botucatu, tem o objetivo de resgatar o hábito de contar histórias. Dela faz parte também o secretário de Cultura da cidade, Wilson Nakamoto. Ele e Guimarães vão promover em agosto o Primeiro Festival Nacional do Saci. Entre as atrações, violeiros, contadores de história, exibição de filmes e culinária caipira.

Para Guimarães, criar saci significa divulgar os “causos” e atuar para manter acesas tradições como essa. “Mais do que criar o saci na mata, queremos criá-lo na imaginação das pessoas”, explica. “Quando não havia luz elétrica e a maioria da população morava na roça, muita gente criava saci. Os contadores de histórias eram os ídolos da meninada. Talvez o racionamento de energia ajude nossa causa”, diz. Para ele, a tevê é uma das maiores responsáveis pela extinção dos sacis. O horário das histórias se transformou no horário da novela. “Já não existem figuras como Tio Barnabé”, resume Guimarães. No Sítio do pica-pau amarelo, de Monteiro Lobato, Tio Barnabé é o velho matuto que ensina Pedrinho a capturar o negrinho de uma perna só: “Arranja-se uma peneira de cruzeta, dessas com duas taquaras mais largas que se cruzam bem no meio e servem de reforço, e fica-se esperando um dia de vento forte em que haja rodamoinho de poeira e folhas secas. Chegada essa ocasião, vai-se com todo o cuidado para o rodamoinho e zaz! – joga-se a peneira em cima. Em todos os rodamoinhos há saci dentro”, garante o velho.

Lobato é considerado o maior “sacizólogo” do País. Em 1917, antes mesmo de inventar o Sítio, incentivou os leitores do jornal O Estado de S.Paulo a enviar “causos” à redação. O resultado foi a publicação do livro O sacy-pererê – resultado de um inquérito. Para o pai de Emília e Tia Nastácia, os sacis nascem em bambuzais, vivem 77 anos, têm um furo na palma da mão e, quando morrem, se transformam em orelhas-de-pau. Os sacis imaginados por José Oswaldo Guimarães são diferentes. Primatas de pele escura, parecidos com o homem, eles atingem um metro e meio de altura e têm uma penugem cor de fogo na cabeça, parecida com um gorro. “O cachimbo também não passa de um pedaço de bambu que eles gostam de mastigar”, explica.