Orson Welles induziu milhares de cidadãos a acreditar que a Terra estava sendo invadida por alienígenas, quando irradiou, com todo o peso de sua interpretação, o programa Guerra dos mundos, em 1938. À época, os filmes de terror não tinham um terço do impacto e dos efeitos especiais atualmente exibidos nas telas, o planeta não carregava tanta violência e as pessoas, claro, eram bem mais inocentes. Portanto, há que se dar um crédito à absurda crença delas diante da assustadora história teatral ouvida pelo rádio. Hoje, diante da sofisticada técnica especializada em arrepiar os amantes do gênero horror, esperava-se que o público tivesse um pouco mais de discernimento. Mas como contraditoriamente o povo americano é tanto esperto quanto inocente, outros milhares acreditaram serem verdadeiros os fatos acontecidos em A bruxa de Blair (The Blair witch project, Estados Unidos, 1998) – estréia nacional na sexta-feira 1º – o maior fenômeno independente da história cinematográfica.

Sem nenhuma estrela no elenco ou pirotecnia digital, a produção de US$ 35 mil assinada pelo californiano Daniel Myrick, 35 anos, e pelo cubano radicado nos Estados Unidos Eduardo Sanchez, 30, estreou no Festival do Filme de Sundance despercebida pelo público, crítica e grandes distribuidoras. Espertamente a Artisan Entertainment arrematou a obra por US$ 1,1 milhão e planejou um dos mais fantásticos ataques de marketing. Lançou um site na Internet contando que três estudantes de cinema, em outubro de 1994, se embrenharam na floresta Black Hills, no Estado americano de Maryland, empenhados em realizar um documentário sobre a lenda da bruxa de Blair – nome da cidadezinha onde hoje é Burkittsville. O site não diz que se trata de uma obra de ficção. Entre restos, afirmam, os grupos de busca encontraram apenas suas duas câmeras de vídeo e nelas o pavoroso registro dos acontecimentos. Pronto! Foi o suficiente para todo mundo acreditar num filme totalmente amador, sem nenhum glamour, mal iluminado, com imagens tremidas e uma história tão besta incapaz de assustar qualquer criancinha acostumada às babas de monstros cósmicos.

Humor negro – Deste ponto de vista A bruxa de Blair tem seu mérito. Enganou muita gente usando humor negro. Mas daí a se transformar num blockbuster independente, que já faturou US$ 120 milhões, é um pouco demais. A idéia da dupla de diretores até que é interessante, se pensada apenas como um projeto conforme anuncia o título em inglês, e só. Acostumados, no entanto, a ver muitas outras tramas imbecis darem certo no show biz, os dois foram à luta. E se deram bem. Já embolsaram US$ 40 milhões de participações em lucros e licenciamentos, mas também estão às voltas com acusações de plágio de The last broadcast, de Stefan Avalos, cujo enredo tem um ponto de partida semelhante. Ou seja, um falso documentário produzido com imagens feitas por uma equipe de televisão a cabo, que se perdeu na mata à cata da história de um serial killer. Adeptos de crenças pagãs igualmente mostraram suas garras contra os cinestas alegando que a trama enfatiza o estereótipo da bruxa sanguinária – a suposta feiticeira de Blair, de nome Elly Keward, teria sido acusada em 1795 de atrair crianças à sua casa para lhes tirar o sangue. É por causa desta lenda que na película de Myrick e Sanchez ouvem-se na escuridão da floresta vozes de pirralhos cercando a barraca de Heather Donahue, 24 anos, Michael Williams, 26, e Joshua Leonard, 24.

Os três, que usam seus nomes verdadeiros, são os “atores” de A bruxa de Blair. Durante as filmagens eles foram seguindo pontos predeterminados como as entrevistas com outros “atores” e gente da localidade. Eram dirigidos a distância por bilhetes deixados em locais estratégicos. Dentro da floresta permaneceram atados a um aparelho portátil de localização para não se perderem. Comida e equipamentos chegavam a eles em cestas marcadas com sinais luminosos. Os próprios aprenderam a manusear as câmeras e filmaram tudo em tempo real, durante oito dias, com diálogos improvisados e clima de terror imposto pela equipe que, às três da madrugada, criava situações para assustá-los. Com todo o alarde moldado à volta de A bruxa de Blair, a cidadezinha de Burkittsville virou meta de romeiros. Muitos fãs acampam pelas ruas e insistem na procura dos jovens. Daniel Myrick conta que até um detetive de Nova York telefonou para ele querendo reabrir o caso. O mundo está realmente virando uma grande ficção.


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