O gaúcho Luiz Felipe Scolari, o Felipão, só renunciou aos R$ 350 mil mensais que recebia no Cruzeiro para assumir o cargo de treinador da Seleção Brasileira porque o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, aceitou a condição que ele exigiu: liberdade total para comandar. Favorecido pelo desgaste imposto à imagem de Teixeira pelas CPIs da Câmara e do Senado, que apuram escândalos do futebol brasileiro, e pela pressão de alguns parlamentares para a transferência da sede da CBF do Rio para Brasília, o “sargentão” Felipão terá carta branca e poderá, inclusive, barrar estrelas que não se enquadrarem. O coordenador Antonio Lopes será um assessor de luxo do técnico. Na era Felipão, saem de moda o futebol-arte, o terno, a gravata e o sobretudo dos antecessores Leão e Vanderlei Luxemburgo – “quem usa terno é gerente de banco”, gosta de dizer o escolhido. Sobem de cotação os agasalhos, as calças jogging e as partidas disputadas com virilidade de um “futebol bandido no bom sentido”, se é que bandidagem pode ter um bom sentido.

A opção por Scolari estava feita antes do fracasso de Emerson Leão na Copa das Confederações. Um advogado amigo pessoal de Teixeira disse a ISTOÉ que Leão assumiu através de um contrato de risco, pois o preferido do presidente da CBF sempre foi o treinador gaúcho. Limitado por um acordo entre a CBF e os clubes que o proibia de chamar craques que disputavam competições nacionais, Leão levou jogadores limitados, ficou em quarto lugar e foi demitido por Lopes no aeroporto japonês. No sábado 9, a CBF recebeu do técnico uma lista para o jogo contra o Uruguai, pelas Eliminatórias. Ele pretendia convocar jogadores que estavam no Japão e descartar estrelas como o lateral Roberto Carlos. Foi a gota d’água. Na noite de segunda-feira 11, enquanto Leão voltava, Teixeira confirmou o convite a Scolari, que no dia seguinte disse sim em Brasília, roubando os holofotes dos deputados que discutiam o relatório final da CPI da CBF/Nike.
 

Leão falou com ISTOÉ na quarta-feira 13. “É verdade que não pude convocar quem desejava e fui julgado como se tivesse escalado o time ideal. Também é fato que meu sucessor foi convidado antes que o avião tocasse no solo brasileiro. Mas quem está falando em traição são vocês”, disse o técnico ao ser questionado se fora traído. “O Lopes disse que o presidente da CBF mandou me agradecer pelos serviços prestados. Como agradecer? Tenho carteira assinada e vou conversar com o presidente”, completou Leão que, no desembarque, havia se comparado a “um ministro, homem de confiança que sabe demais”.

Alheio aos argumentos de Leão, Scolari começa a impor o seu jeito. Com um estilo semelhante ao que estava na moda na época do “Pra Frente Brasil”, em 1970, convocou medalhões e usou frases que o jornalista e ex-técnico da Seleção João Saldanha classificava de “patriotadas”, como “temos de nos dedicar a esta camisa como se fosse o último jogo da nossa vida”. Procurou explicar a expressão “seleção bandida”, usada por Teixeira: “É no bom sentido, com malícia. Os sul-americanos fazem isso sorrateiramente. Anjinho, só no céu.”

Também gosta de motivar a torcida. A mesma frase dita pelo então presidente Médici em 1970 foi repetida na convocação: “Precisamos dar alegria ao povo e defender o Brasil de forma pura”. Plágio? Não. Afinidade. Felipão já elogiou o ex-ditador do Chile, general Augusto Pinochet. Mas essa está longe de ser a sua única atitude polêmica. Em 1995, lascou um bofetão em Luxemburgo durante uma partida entre Grêmio e Flamengo. Três anos depois, ao ser questionado se ordenara a retirada de torcedores de um estádio, respondeu com um soco na cara do jornalista. No ano passado, incentivou os atletas do Palmeiras a “cuspir” e a “pegar” o craque Edilson, na época jogador do Corinthians.

O técnico pode contribuir para um objetivo de Teixeira: reduzir o “lobby” do presidente da Federação Paulista, Eduardo José Farah. Apesar de rejeitar Farah como sucessor, Teixeira pretende ter a sua ajuda espontânea. Na CBF, comenta-se que Felipão, o quarto técnico nas Eliminatórias 2002, também teria exigido sua confirmação como técnico na Copa, se garantir a vaga. A Seleção está em quarto lugar na tabela e corre riscos. Teixeira concordou. Mas tudo indica que o único com vaga certa, em caso de classificação, é o próprio presidente da CBF.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Colaborou Eduardo Hollanda (DF) 

“Seleção não é lugar para
vaidades pessoais”

Hélio Contreiras

Os brasileiros não devem esperar da nova Seleção Brasileira, sob o comando de Luiz Felipe Scolari, o chamado futebol-arte. Nesta entrevista a ISTOÉ, Felipão deixou claro que sua ênfase maior será para os resultados, sem preocupação com jogadas de efeito ou dribles desnecessários.

ISTOÉ – Sua opção é pelo futebol-arte ou pelo chamado futebol produtivo, de resultados?
Luiz Felipe Scolari
– A Seleção pode até exibir um futebol bonito, mas quero produção. Precisamos de resultados. O jogador deverá buscar a vitória a qualquer custo. O Brasil tem de entrar em todas as competições para ser campeão.

ISTOÉ – O jogador poderá jogar na Seleção pelo prestígio ou em razão de interesses pessoais?
Scolari – Não, de jeito nenhum. Só pelo interesse da Seleção e do futebol. Seleção não é lugar para vaidades pessoais. Vai ter de se empenhar, cuidar da parte física e ser competitivo.

ISTOÉ – O sr. realmente acredita que a Seleção vá superar esse momento desfavorável?
Scolari – Vamos nos classificar para a Copa, mas o jogo com o Uruguai é muito importante para garantirmos logo uma situação confortável. Depois teremos jogos também decisivos. Vamos começar um trabalho para definir um sistema de jogo com os jogadores.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias