Em viagem ao Canadá, o menino de 15 anos de origem portuguesa foi participar de um curso de sobrevivência na floresta. Brigou com um colega e o esfaqueou. O jovem, que já havia passado por uma instituição de infratores em Lausanne, na Suíça, considera o internato onde vive no momento em Ottawa, a capital canadense, um verdadeiro hotel. O William Hay Centre, uma versão de Febem de lá, seria realmente um hotel, não fossem o sofisticado sistema de segurança controlado por computadores – que abre e fecha dezenas de portas e grades automaticamente – e a vigilância permanente de pelo menos um monitor para cada garoto. As áreas interna e externa são controladas por câmeras. Ninguém usa armas, mas num piscar de olhos a polícia chega ao local, se necessário.

O centro para jovens infratores William Hay abriga 23 adolescentes e nunca registrou uma fuga. É uma organização terceirizada e administrada com mão-de-ferro por Gordon Boyd, um homenzarrão de quase dois metros de altura. Na unidade, os jovens têm aulas de ginástica, informática e marcenaria. Contam com uma pequena biblioteca (onde predominam romances policiais) e um moderno ginásio de esportes, que se equipara aos de colégios de elite no Brasil. Os móveis são adaptados. Cadeiras e mesas têm estrutura de ferro. Pesadas, são difíceis de ser arrastadas ou jogadas contra outra pessoa. Das salas, é possível ver a paisagem lá fora. Mas os vidros transparentes têm blindagem resistente a alto impacto. À noite, os quartos são fechados automaticamente por computador. Os jovens mais rebeldes, quando violam as regras, vão parar na “sala de reflexão”, um eufemismo para designar a cela forte, onde podem ficar até oito horas por dia.

Lei – Centros como o William Hay gastam em média, com cada adolescente, 45 mil dólares canadenses ao ano, o equivalente a R$ 5 mil ao mês. O atendimento, sempre em pequenas unidades, conta com recursos e infra-estrutura adequados, mas também esbarra em dificuldades para conseguir a recuperação. Para especialistas brasileiros que visitaram o país – entre eles, o procurador Afonso Konzen, de Porto Alegre (RS) –, uma das razões é que o sistema dá mais ênfase para o encarceramento e a proteção à sociedade, em detrimento da ressocialização. Tem essa opinião a maioria do grupo de educadores, artistas e profissionais de direito convidado pelo governo canadense para conhecer projetos de atendimento a adolescentes infratores nas cidades de Ottawa, Hull e Montreal. Os membros do grupo receberam o prêmio Socioeducando – dado pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas (Ilanud), Unicef, Fundação Educar Dpaschoal, Andi e BNDES – por desenvolverem experiências bem-sucedidas na área. “O objetivo não é importar modelos, mas comparar o sistema brasileiro com outras propostas”, explica Karina Sposato, responsável pela área de criança e adolescente do Ilanud.

O Canadá é tido como um dos países que mais prendem jovens e adultos. O governo canadense não quer a manutenção dessa política e pretende investir mais na reeducação. Uma nova proposta de lei, ainda não aprovada, considera a restrição de liberdade uma medida excepcional. Mas, como no Brasil, o governo enfrenta resistências de parte da população, que acredita que os jovens infratores ficam impunes. O Canadá assinou a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, de 1989 – assinada por cerca de 190 países –, mas com ressalva ao artigo que proíbe a permanência de adolescentes em prisões de adultos. Hoje, se o jovem comete um crime grave, ele pode ficar em um centro de detenção até os 18 anos e depois cumprir a sentença numa cadeia. “Isso está em desacordo com a doutrina de proteção integral e também não garante a diminuição da criminalidade”, observa Karina.

Experiências interessantes, porém, foram observadas. Quando o jovem comete um delito leve, ele recebe, antes de ir à Justiça, medidas alternativas como o trabalho em creches ou em reforma de escolas. Quem se encarrega da aplicação é a Polícia Comunitária, que privilegia as ações preventivas. Policiais jovens e sem uniformes são responsáveis por espaços como o do Police Youth Centre, que conta com quadras esportivas, cursos de informática e o acompanhamento de assistentes sociais. Atende jovens de seis a 19 anos. “Não carrego revólveres, mas uma bola de basquete”, orgulha-se o policial Tom Patrick, responsável pela entidade. O centro tem 1.500 jovens registrados – a maioria envolvida com brigas ou problemas familiares – e custa 200 mil dólares canadenses ao ano.

Vaca louca – Em Hull, na província de Quebec, a parte francesa, o Centro de Juventude de L’Outaouais, garante um atendimento individualizado a 12 jovens infratores, em cada uma de suas quatro unidades. Mantém parcerias com a polícia, escolas e a Universidade de Quebec, além de um intercâmbio com a Febem de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. “Trabalhamos sobretudo na escola, pois é lá que se deve fazer a intervenção para evitar problemas futuros”, recomenda Gilles Clavel, diretor do centro. O Brasil não tem os recursos do Canadá, mas mostra avanços no campo pedagógico e em trabalhos como o ensino de dança pelo Ballet Stagium na Febem de São Paulo, por exemplo. Os canadenses, que não utilizam a arte nessa área, querem uma relação melhor com o Brasil. Pensam até em mandar pedagogos para ajudar nos projetos educacionais brasileiros. Vacas loucas e aviões à parte, agora um pode ajudar o outro.