Nesse Brasil de poucos heróis, uma urna eletrônica bem pode galgar o degrau mais alto no pódio do orgulho nacional. Vem sendo assim desde 1996. Duvidou-se de sua eficácia, questionou-se sua confiabilidade. Mas a novidade ganhou o mundo e levou consigo a fama da competência brasileira no processo eleitoral. Somos rápidos. Somos high tech. Somos à prova de fraudes. Ou éramos.

A urna eletrônica é apenas a caixa que guarda um programa com os nomes, números e fotos de todos os candidatos de cada região do Brasil, além dos nomes e números dos títulos de cada eleitor e sua seção eleitoral. Quem insere esses dados nas 380 mil urnas e testa cada um desses equipamentos são empresas terceirizadas, contratadas após licitação nacional promovida pelo Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. É assim desde 1996. Mas este ano vai ser diferente.

O ex-presidente do TSE ministro Marco Aurélio Mello deixou o processo licitatório iniciado, mas, na troca de comando do tribunal para o atual presidente, ministro Dias Toffoli, a licitação virou descentralização. Numa decisão de ordem técnica e que, portanto, não foi levada ao pleno do tribunal, o comando do TSE transferiu para os TREs a responsabilidade de contratar as empresas que vão gerir as urnas eletrônicas este ano.

Como essa decisão foi tomada há cerca de dois meses e em geral gastam-se pelo menos três meses apenas para treinar as empresas gestoras das urnas, o tempo está correndo contra a eficiência do processo eleitoral.

Mas não se trata apenas de um calendário apertado.
O que está acontecendo agora em muitos Estados é que a licitação para a contratação dessas empresas nem foi aberta. Em outros casos, alegando urgência, o processo licitatório foi para o espaço. Há ainda exemplos como o do Maranhão, no qual a empresa vencedora da licitação tem relações diretas com integrantes do poder político do Estado.

Para que a urna faça jus ao selo de inviolável, a cada eleição o Brasil gasta cerca de R$ 200 milhões para atualizar os softwares e manter a decisão do eleitor livre da esperteza de hackers e cyberpiratas. Ao que tudo indica, essa parte do processo de votação continua confiável. Mas imagine o que aconteceria se muitas urnas quebrassem ao mesmo tempo. Imagine que muitas delas não funcionassem justo no dia da eleição.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

O que a lei eleitoral prevê nesses casos? A reposição das peças inutilizadas por outras igualmente eletrônicas.
E se isso não for possível? Nesse caso, o eleitor teria que tirar a caneta do bolso e preencher, como no passado, a cédula de papel e colocá-la na urna de lona. O que, é claro, atrasaria em dias a totalização dos votos e o resultado das eleições. Mas também não é só esse o problema.

Quantas eleições, num país do tamanho do Brasil, são decididas por 50 votos, 100 votos, mil votos? Quantas urnas eletrônicas quebradas são necessárias para que algumas centenas de preciosos votos digitais sejam substituídos por cédulas de papel? E quem se lembra dos tantos escândalos do Brasil pré-1996, onde os votos “cantados” na seção eleitoral eram “anotados” de maneira diferente da original? Sim, isso é fraude.

E fraude não é culpa da urna, mas de processos mal conduzidos e dos eternos aproveitadores de nosso próprio amadorismo na manutenção de nossas conquistas. Esteja preparado, eleitor. No Brasil do futuro, urna eletrônica pode virar coisa do passado.

Ana Paula Padrão é jornalista e empresária


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias