O Brasil possui dois médicos para cada mil habitantes, índice pouco abaixo da média recomendada internacionalmente e ainda distante da de países desenvolvidos. Para contar com mais profissionais, o governo criou o “Mais Médicos” e estimulou a criação de cursos. Das 242 escolas de medicina, 62 foram inauguradas nos últimos quatro anos. Nessa área, o País é o segundo colocado no ranking mundial, perdendo apenas para a Índia, com 271 faculdades nessa área. Recentemente, foi anunciado que 39 municípios devem receber novos cursos como parte do programa de expansão do atendimento médico. No entanto, irregularidades como falta de laboratórios, professores e hospitais de ensino também passaram a ser mais frequentes. Um levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) revela que 30% dessas novas instituições apresentam deficiências. “Uma faculdade de medicina deveria ser criada somente se tivesse um hospital universitário, laboratórios de pesquisa e um amplo quadro de docentes”, diz Lúcio Flávio Gonzaga Silva, do CFM.

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RETRATO
Alunos da Universidade Estadual de Mato Grosso (acima) reivindicam melhorias
no curso. Abaixo, estudantes da Universidade Municipal de São Caetano do Sul,
que não possui hospital, e a Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia, que tem apenas cinco professores

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Não é o que está acontecendo. Por isso, é preciso atentar para a qualidade da formação atual dos médicos brasileiros. A oferta de vagas em faculdades particulares é a que mais cresce. Dos 62 cursos criados no governo Dilma, 36 são privados. “São escolas que têm dificuldade para implementar a proposta pedagógica, poucas estão integradas ao sistema de saúde e não contam com professores com alta titulação”, diz Mário César Scheffer, professor de medicina preventiva da Universidade de São Paulo. O resultado do exame do Conselho Regional de Medicina (CRM) de São Paulo mostrou que o índice de reprovação entre estudantes recém-formados de escolas privadas em 2013 foi de 71%. O exame não impede o exercício da medicina, mas serve de parâmetro para o nível do profissional que chega ao mercado.

No âmbito das escolas públicas, também há problemas. O curso da Universidade Estadual de Mato Grosso atravessa uma greve que já dura mais de um mês. O primeiro processo seletivo ocorreu em agosto de 2012, mas até hoje os alunos não contam com prédio próprio, itens para aulas de anatomia e biblioteca com títulos básicos. “Usamos materiais emprestados do curso de enfermagem e ficamos sem professores em algumas disciplinas”, diz o estudante Bruno Diniz. Situação ainda mais grave ocorre na cidade de Santo Antonio de Jesus, no interior da Bahia. Inaugurado em dezembro de 2013, o curso de medicina da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia possui apenas cinco professores. “Temos tido dificuldades para encontrar profissionais que queiram trabalhar fora da capital”, diz Luciana Alaíde Alves Santana, pró-reitora de graduação da faculdade. Embora novas instituições estejam abrindo portas em municípios do interior – uma das maneiras de tentar fixar os médicos onde há carência de profissionais –, uma boa infraestrutura é fundamental. “Só haverá um aumento do acesso da população aos serviços de saúde se os médicos formados nas novas escolas tiverem estrutura para trabalhar, manter a família e disponibilidade de meios diagnósticos adequados”, explica Wilson Catapani, professor da Faculdade de Medicina do ABC.

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O Estado de São Paulo concentra 41 escolas de medicina. Ainda assim, o Cremesp aponta fatores que podem comprometer a qualidade de ensino nas instituições paulistas. “A maioria das faculdades não possui hospitais universitários e acaba oferecendo um treinamento inadequado”, diz Bráulio Luna Filho, presidente do Conselho. O curso de medicina da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, inaugurado em fevereiro, é um deles, embora esteja inserido na rede de atenção básica de saúde da cidade, onde os alunos realizam as atividades práticas. “Não precisamos de um hospital de ensino. Quem deve gerenciar esses espaços são os gestores públicos”, afirma José Lúcio Machado, gestor do curso. Hoje, a instituição possui 120 estudantes que pagam R$ 5,3 mil de mensalidade.

A última avaliação dos cursos de medicina do Brasil, realizada pelo Ministério da Educação, foi divulgada em 2010 e já indicava luz amarela: nenhuma instituição obteve a nota máxima. O resultado do exame de 2014, referente ao último triênio, será divulgado no final do ano. “É importante formar mais médicos, mas só conseguiremos avaliar o impacto dessa expansão de cursos e da qualidade dos novos profissionais no futuro”, diz Scheffer, da USP.

Fotos: Rafael Hupsel/Ag. Istoé; Cristina Santos/Ag. A Tarde


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