Quando começava a desfrutar os prazeres da companhia de sua bela e jovem mulher chilena, a ex-miss Universo Cecilia Bolocco, com quem se casou no sábado 26 de maio, o ex-presidente argentino Carlos Saúl Menem levou o maior baque de sua carreira política. Foi detido ao chegar na quinta-feira 7 ao Tribunal Federal, onde depôs sobre a acusação de liderar uma operação de venda ilegal de armas para a Croácia e o Equador durante seu governo, no início dos anos 90. Perante o juiz federal Jorge Urso, que deu a ordem de prisão, o ex-presidente declarou-se inocente. Menem é o primeiro ex-mandatário na Argentina a ser preso na era democrática. Antes dele, os ex-ditadores Jorge Videla, Roberto Viola, Leopoldo Galtieri e Reynaldo Bignone, acusados de violações de direitos humanos durante a última ditadura militar (1976-1983), foram parar atrás das grades.

Menem completará 71 anos em julho e por isso terá os benefícios da lei argentina, que prevê prisão domiciliar para pessoas acima de 70 anos. Por enquanto, ele conta com a hospitalidade do amigo e ex-presidente da Casa da Moeda, Armando Gostanian, que mora nos arredores de Buenos Aires. Caso seja provada sua participação na operação da venda de armas, o ex-presidente poderá pegar de cinco a dez anos de reclusão. Segundo a acusação, entre 1991 e 1995 Menem teria sido o responsável pela negociação de 6.500 toneladas de armamentos, que foram para o Panamá e seguiram para a Croácia, durante a guerra dos Bálcãs. Outras 75 toneladas de armas aportaram na Venezuela para depois aparecerem no Equador, em conflito com o Peru. O valor das duas transações atingiria a cifra de US$ 100 milhões. O armamento saiu da Argentina com a aprovação do ex-presidente e de seu gabinete, num momento em que a ONU aprovou – com o voto favorável da Argentina – um embargo de armas para esses países em conflito. No último caso, o delito era ainda mais escandaloso, porque a Argentina fazia parte – ao lado do Brasil, dos EUA e do Chile – da comissão de países que negociavam a paz entre Peru e Equador.

Tanto Menem quanto seus três escudeiros, seu ex-cunhado Emir Yoma, o ex-chefe do Exército, Martín Balza, e o ex-ministro da Defesa Antonio Erman González, todos detidos, negam que houve tráfico ilegal de armas, alegando que Venezuela e Panamá não eram países em guerra e, portanto, nenhum deles era responsável pelo destino dado posteriormente ao carregamento. O argumento não convenceu nem a Justiça argentina nem a população. Cerca de 64% dos argentinos acreditam que o ex-presidente é culpado e 15% desejam vê-lo atrás das grades. Mas, ao deixar o tribunal, o homem famoso por suas enormes costeletas e gosto duvidoso foi abraçado e aplaudido por seus seguidores peronistas – Menem ainda é o líder do Partido Justicialista (peronista), o maior da oposição. Agora, não apenas teve sua lua-de-mel interrompida como também vê pairar sérias ameaças sobre seus planos de regressar à Casa Rosada em 2003.

O ex-presidente conseguiu escapar de inúmeras acusações anteriores de corrupção, institucionalizada durante seus dois governos (1989 a 2000). Eleito pela primeira vez em maio de 1989 com o tradicional discurso demagógico do peronismo, Menem surpreendeu ao adotar o clássico receituário monetarista para driblar a hiperinflação.

Histórias nebulosas – Sob a batuta de Domingo Cavallo, atual ministro da Economia, Menem atrelou o peso ao dólar e realizou um vasto programa de privatizações. A Argentina voltou a crescer, mas o desemprego disparou. O aparente êxito do programa econômico deixou em segundo plano as histórias nebulosas e sinistras que marcaram seus dois mandatos. Uma das mais dramáticas foi a acusação de sua ex-mulher, Zulema Yoma, de que ele estaria envolvido na morte do filho de ambos, Carlitos, vítima de um estranho acidente de helicóptero em 1995. Menem também manteve relações perigosas com o empresário mafioso Alfredo Yabrán, acusado de ter mandado assassinar o jornalista José Luiz Cabezas em 1997. O próprio Yabrán terminaria de forma trágica: supostamente, ele cometeu suicídio em 1998, mas o caso nunca foi devidamente esclarecido. Para muitos analistas, este é o mais grave escândalo do menemismo.

O presidente Fernando de la Rúa preferiu não entrar no polêmico caso de seu antecessor, classificando apenas a detenção de Menem como um “feito transcendental”, seja lá o que isso possa significar. Na verdade, o que o atual governo mais teme é um abalo sísmico no Congresso, que tem maioria peronista. A Argentina vive uma agônica crise econômica e De la Rúa necessita de aliados parlamentares para tirar o país do atoleiro.

A detenção de Menem encerra uma estranha coincidência. Ele é o quarto líder latino-americano patrocinador de reformas neoliberais a enfrentar problemas com a Justiça. O mexicano Carlos Salinas de Gortari, que governou de 1988 a 1994 e cujas privatizações favoreceram amigos e parentes, acabou se exilando na Irlanda. O brasileiro Fernando Collor de Mello foi afastado da Presidência por corrupção em 1992. Meses atrás, o peruano Alberto Fujimori se viu escorraçado do poder e se exilou no Japão. Menem, por enquanto, não pensa em se exilar. O presidente Fernando Henrique Cardoso negou que teria conversado com um assessor do peronista, durante reunião em Brasília na semana passada, sobre a hipótese de conceder asilo político ao ex-colega.