A cena seria inimaginável na época em que a sigla ABC excitava a esquerda brasileira e provocava calafrios nos patrões. Patrocinado pelas mais tradicionais montadoras instaladas no País, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC acaba de lançar um arquivo multimídia para contar sua história. Com acesso pela internet e disponível em terminais na sede da instituição, o site www.abcdeluta.org.br já exibe 22 vídeos, mais de 400 depoimentos e quase três mil imagens. “É bem verdade que nós, os dirigentes, aparecemos mais nas fotografias, mas o forte desse sindicato sempre foi o heroísmo coletivo”, comentou um emocionado Luiz Inácio Lula da Silva na noite de lançamento do centro de memória, em São Bernardo do Campo.

Criado em 1959, o sindicato registrou suas mais expressivas vitórias e momentos dramáticos justamente no período em que Lula esteve no comando. Um desses momentos aconteceu quando Lula se encontrava preso na Delegacia de Ordem Política e Social, durante a greve de 1980. A celebração do dia 1º de Maio, marcada para a igreja matriz, parecia destinada ao fracasso. Como o resto da cidade, o templo estava cercado por policiais. Aos poucos, porém, mais de 100 mil manifestantes se aglomeraram nas imediações da igreja e acabaram improvisando uma passeata rumo ao estádio de Vila Euclides, onde desde o ano anterior o sindicato fazia suas assembléias.

Idealizador do centro de memória, o então metalúrgico Osvaldo Bargas participou da manifestação histórica. Ainda não pertencia à diretoria do sindicato, mas já se preocupava com o registro do movimento. “Sentia que era preciso deixar que os próprios trabalhadores contassem sua história”, diz Bargas, que hoje presta assessoria a vários sindicatos. “Embora ouvissem os metalúrgicos, os intelectuais só citavam outros intelectuais em suas publicações.” Há três anos, duas empresas especializadas em pesquisa e informática foram contratadas para começar a construir o centro de memória, graças a leis de incentivo à cultura e a um patrocínio de R$ 480 mil, desembolsado pela Ford, General Motors, Mercedes-Benz, Scania e Volkswagen.

Na atual fase do sindicalismo nacional, marcada antes de tudo pela tentativa de preservar empregos, esse tipo de antagonismo parece relegado ao passado. Luiz Adelar Scheuer, um dos diretores da Mercedes-Benz, defende, inclusive, que outros sindicatos sigam o exemplo do ABC. “O Brasil precisa parar de ser um país sem memória”, diz. Mesmo no que diz respeito ao arquivo do ABC, ainda há muito o que fazer. Um dos motivos é que parte do acervo do sindicato ficou na antiga sub-sede de Santo André, palco de uma acirrada disputa jurídica desde abril de 1996. De qualquer maneira, o centro de memória é um projeto em permanente construção. “A sequência depende fundamentalmente do que nós construirmos”, resume o presidente do sindicato, Luiz Marinho.