Os ex-senadores José Roberto Arruda (PSDB-DF) e Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) não foram os únicos a participar da violação do painel eletrônico na votação secreta que tirou o mandato de Luiz Estevão (PMDB-DF). O nome do cúmplice já está circulando nas conversas de bastidores do Congresso: trata-se de José Eduardo Dutra (PT-SE). Antes da votação, o senador petista disse a ACM temer que o voto da senadora Heloísa Helena (AL), líder do PT, seria contra a cassação de Estevão. Soube que Antônio Carlos e Arruda iriam retirar a lista de votantes dos computadores do Prodasen, o serviço de processamento de dados do Senado. No dia seguinte à cassação de Estevão, Dutra, chamado por ACM, então presidente do Congresso, foi ao gabinete do colega baiano, recebeu e leu a lista de votação. Em seguida, o petista fez alguns comentários raivosos sobre as duas colegas da bancada da oposição – Heloísa Helena, e Emília Fernandes (RS), então no PDT e hoje no PT –, que votaram a favor de Estevão. Dutra tomou conhecimento da lista minutos depois que Arruda entregou a relação de votantes a Antônio Carlos. Além de comentar com o ex-presidente do Congresso o resultado da votação, o petista também conversou sobre o assunto com o próprio Arruda e um terceiro senador. “Não há dúvida que ele sabia da tentativa de obtenção da lista de votantes e viu a relação depois”, garantiu um dos personagens envolvidos no episódio.

Na véspera da sessão secreta que cassou Estevão, Dutra foi ao gabinete de Arruda e lá soube que o então líder do governo no Congresso iria pedir à diretora do Prodasen, Regina Perez Borges, a obtenção da lista. Em vez de denunciar a fraude já arquitetada, Dutra preferiu calar. Precavido e temeroso com a possível revelação posterior da relação de votantes que seria retirada para a conferência, o petista garantiu seu voto pela cassação, acionando seis vezes seguidas os botões de votação. Essa atitude incomum se explica: é que nesse tipo de votação eletrônica e secreta o que vale é o último registro feito pelo parlamentar. Ele não queria correr o risco de ver seu voto alterado, como se suspeitava que Luiz Estevão poderia fazer na ocasião, nem deixar nenhuma margem para erro ou fraude. A múltipla votação foi revelada pelo senador aos deputados e senadores do PT, em março, na reunião convocada pelos petistas para esclarecer e avaliar as conversas gravadas de ACM com os três procuradores e divulgadas por ISTOÉ, quando o ex-presidente do Congresso confessou ter lido a lista de votação. Na semana passada, Dutra confirmou a múltipla votação. “Votei várias vezes porque temia errar o voto, como tinha ocorrido numa votação dias antes”, justificou.

Agente 86 – A confissão dos dois senadores que renunciaram não revelou toda a verdade da fraude no painel eletrônico. Segundo fontes ouvidas por ISTOÉ, o afã de punir Estevão levou José Eduardo Dutra a aceitar a intervenção de ACM e Arruda para garantir que a cassação se consumasse. Além disso, segundo esses informantes, Dutra sabia que tanto Heloísa Helena quanto Emília Fernandes estavam dispostas a votar pela absolvição de Estevão. Em meio a toda essa pressão, Dutra procurou Antônio Carlos e revelou seu temor de perder os dois votos das colegas. Aliou-se então ao presidente do Congresso e ao líder do governo na empreitada para a violação do painel, espalhando ao mesmo tempo entre os senadores um boato sobre o assunto para assustar aqueles que planejavam traições no voto secreto. Na primeira semana de abril, Dutra foi ao apartamento do colega Arruda, que ainda não tinha aparecido no caso, e conversou por 15 minutos sobre a fraude. Disse que estava preocupado com a repercussão da denúncia feita por ISTOÉ. Acabou atropelado pelos fatos.

Após a confissão de funcionários do Prodasen, da diretora-geral do órgão, Regina Borges, e do próprio Arruda, a saída para Antônio Carlos Magalhães seria também confessar e apostar numa punição mais branda na Comissão de Ética. Já com o processo aberto na comissão que iria investigar a fraude, ACM chegou a combinar com Dutra que as investigações “não esquentariam” muito. O cacique baiano ameaçou o petista dizendo que o “envolveria no bolo” se este acordo não fosse cumprido. ACM esperava que Dutra atrapalhasse as investigações. No início, o senador petista de fato tentou descredenciar as denúncias de que o painel fora violado. Chegou a dizer que as investigações pareciam “coisa do Agente 86”. Depois que o laudo da Universidade de Campinas constatou a fraude no painel, Dutra, segundo testemunhas do caso, desistiu do acordo com Antônio Carlos. Daí a raiva do ex-cacique, que, em razão da traição do acordo, sempre se refere ao petista como “o cínico”. Há duas semanas, no programa Passando a Limpo, apresentado pelo jornalista Bóris Casoy, na Rede Record, ACM anunciou que algum dia vai revelar todo o conteúdo das conversas com José Eduardo Dutra.

Ao confessar que participou da fraude no painel, o ex-presidente do Senado também não contou tudo. Omitiu que, no dia seguinte à cassação de Luiz Estevão, ainda no seu gabinete, mostrou a lista de votantes a Dutra. ACM tomou a decisão de esconder a participação do senador oposicionista depois de ser aconselhado pelo advogado Márcio Thomaz Bastos, que também repassou a mesma orientação aos advogados de Arruda. Se revelasse a participação de um outro senador, no entendimento do advogado ACM estaria confessando definitivamente sua quebra do decoro parlamentar. A análise da assessoria de Antônio Carlos era que o recebimento da lista das mãos de Arruda não caracterizaria quebra do decoro e não serviria de motivo para a cassação. O processo criminal que fatalmente será aberto pelo Ministério Público exigirá dos senadores envolvidos na fraude a confissão de toda a história, nos mínimos detalhes, inclusive este.

Calúnia – José Eduardo Dutra nega que teve acesso à lista. “Isto é uma tremenda armação para me envolver no processo. Não tomei conhecimento da lista de votação, não conversei com nenhum senador sobre lista de votação”, disse. Dutra credita estas informações à tentativa “do governo e do PMDB” de envolvê-lo na fraude do painel. O petista também acusa ACM de tentar caluniá-lo ao insinuar que houve conversas comprometedoras entre os dois. “Esta é a lógica da calúnia sempre usada por ACM”, defende-se. Dutra também rejeita a informação de que a oposição temia que as senadoras Heloísa Helena e Emília Fernandes votassem contra a cassação e, em razão disso, teria procurado ACM para tratar desses boatos e tentar impedir as defecções.

Dutra admitiu que, junto com Arruda, fez uma avaliação dos votos a favor e contra a cassação de Estevão na véspera da votação. “Mas não tratamos de lista, muito menos de fraude no painel”, disse. Dutra voltou a reafirmar que ACM, depois da votação, o encontrou e insinuou que Heloísa Helena tinha votado a favor de Estevão. “Eu não dei importância porque considerei uma bravata”, disse. “Não tenho nenhuma responsabilidade nem envolvimento na violação do painel do Senado”, reiterou Dutra.

A reabertura do processo para continuar a investigação sobre a fraude no painel do Senado está nas mãos do senador Geraldo Althoff (PFL-SC), que também é da comissão de ética. Ele pediu parecer de advogados sobre dois fatos que considera suspeitos: o primeiro foi a revelação de José Eduardo Dutra na abertura da reunião da comissão de ética, antes do depoimento de Regina Borges, confessando que ACM o questionara sobre o voto contrário à cassação de Luiz Estevão, dado pela colega Heloísa Helena. A segunda desconfiança é que Dutra, ao votar várias vezes pela cassação, sabia que o painel seria violado e a lista de votantes, retirada, como terminou ocorrendo. Logo depois da renúncia dos dois senadores, Altoff deu entrevistas informando que estava disposto a abrir novo processo para investigar a participação de outros senadores na fraude. Essas declarações provocaram uma crise dentro do PFL, com o senador Eduardo Siqueira Campos (PFL-TO) ameaçando deixar o partido se as investigações prosseguissem. Nos próximos dias, o senador Althoff vai decidir se pede ou não a reabertura do caso e a reinvestigação da comissão de ética.

O maior erro do ex-chefão

A série de reportagens de ISTOÉ que desvendou a fraude no painel eletrônico do Senado e culminou nas renúncias de ACM e Arruda começou há três meses. Em meio a uma violenta briga com o presidente do Senado, Jader Barbalho, ACM cometeu um de seus maiores erros políticos: procurou no dia 19 de fevereiro três procuradores – Luiz Francisco de Souza, Guilherme Schelb e Eliana Torelly – para espinafrar os adversários e acabou confessando um crime. ACM disse que tinha a lista com os nomes de todos os senadores que votaram a favor e contra a cassação de Luiz Estevão, na sessão secreta de junho de 2000. O presidente FHC, um dos alvos da conversa de Antônio Carlos com os procuradores, retaliou imediatamente, demitindo Rodolpho Tourinho e Waldeck Ornélas, os dois ministros fieis a ACM, e iniciou uma limpa na tropa carlista. Acuado, Antônio Carlos se entrincheirou na oposição, de onde não saiu mais.

ACM bem que tentou negar o que tinha dito, mentiu como nunca, mas acabou desmascarado. Primeiro por Luiz Francisco, que gravou a conversa e confirmou todo o seu teor. Depois pela confissão de Regina Célia Borges, que detalhou a trama que fez o Senado passar por um de seus episódios mais vexaminosos. Antônio Carlos combinou com Arruda, líder do governo, como violar o painel eletrônico para conseguir a lista dos votos na cassação. E Arruda, depois de mandar Regina executar o serviço sujo, entregou a lista a ACM. O caso foi parar na Comissão de Ética, que no dia 24 de maio aprovou a abertura do processo de cassação dos dois cúmplices. Para escapar da punição, e da perda dos direitos políticos por oito anos, os dois renunciaram. Arruda, no dia 24 de maio e ACM, dia 30. O que não se sabia, e que mais uma vez é revelado por ISTOÉ, é que o senador José Eduardo Dutra (PT-SE) sabia muito mais do que dizia.