Um leve sinal da professora e a criançada, em coro, se põe a gritar: “Amigo, se andas triste/Vai pra uma brincadeira/Se você não quer, tem quem queira/Se você não quer, tem quem queira…” É com esse refrão que se desenvolvem as aulas da segunda série da Escola Municipal Gomes de Souza, na periferia de São Luís, capital do Maranhão. A música do compositor Antônio Vieira, que não é o padre, mas um sambista considerado o Cartola maranhense, está servindo de cartilha para muitas crianças que apresentavam dificuldade no aprendizado e já passavam da idade de alfabetização sem dominar a leitura e a escrita. Depois de memorizarem os versos, os alunos aprendem com as canções locais a juntar as letras. De quebra ainda perdem a timidez, uma inimiga do processo de aprendizagem. “Eu tinha aluno aqui na segunda série que mal falava. Depois que começamos a cantar, eles estão mais soltos, passaram a se interessar mais e a participar de todas as atividades”, comenta a professora Tânia Nascimento. Desde que foi adotada pela Fundação Vale do Rio Doce (FVRD), a rotina da Escola Gomes de Souza mudou e os resultados positivos foram registrados pela diretora, Célia Tavares, logo no primeiro ano do trabalho. “A evasão caiu de 20% para 5% e a repetência, de 20% para 10%”, atesta a diretora.

Cantigas – Atividades como essa, que ocupam um espaço nobre na agenda escolar diária dos alunos, fazem parte do programa Escola que Vale, desenvolvido pelo Centro de Documentação para Ação Comunitária (Cedac), uma ONG que atua na área educacional. O trabalho, formado por projetos para estimular o aprendizado com foco na leitura e na escrita, vem conquistando as crianças. Enquanto os alunos da segunda série da Gomes de Souza ensaiam as músicas de Antônio Vieira, que se tornaram populares nas vozes dos também maranhenses Rita Ribeiro e Zeca Baleiro, os alunos da primeira série se ocupam em recuperar as cantigas de roda. Muitas delas resgatadas pelos próprios pais, que passaram a visitar a escola para acompanhar mais de perto as mudanças. “Lá em casa, eles passam o dia cantando as músicas que aprendem na escola. Nós todos estamos mais interessados. Agora, faço questão de participar de todas as reuniões”, comenta José Ribamar Seixas, que tem três filhos na escola. A 20 quilômetros dali, na Escola Municipal Luís Serra, no centro antigo de São Luís, os alunos da terceira série passam horas debruçados sobre livros e revistas pesquisando a história do Carnaval para montar um museu temporário de fantasias. Já os alunos da quarta série se dedicam a experimentar receitas de sucos, bolos e biscoitos.

No ano passado, os alunos das escolas maranhenses produziram livros de receitas e de contos e um guia turístico de São Luís. Cada criança ganhou uma máquina fotográfica e foi a campo para mostrar os encantos da cidade, que atrai turistas pelos famosos azulejos das casas que compõem o conjunto arquitetônico colonial. O resultado foi tão bom que a Secretaria de Turismo da cidade resolveu adotar o guia. Outro grupo de alunos criou uma companhia de teatro. “De tudo o que eu faço aqui, o que mais gosto é o teatro. Quero ser ator”, diz o aluno da quarta série José Luís Cardoso, nove anos. A profissão tem outros candidatos. “Depois das aulas de teatro comecei a ler muito melhor. Vou estudar bastante para ser uma atriz famosa”, garante Luana Machado, 11 anos, também da quarta série.Antes de chegar à sala de aula, os projetos são discutidos com a equipe de professores, diretores e pais de alunos. “Não se trata de um pacote fechado. Nós fazemos pesquisas em cada localidade e todos os projetos têm um vínculo com a comunidade”, explica a coordenadora-executiva do Cedac, Teresa Perez.

Filha de FHC – Ao lado de outras duas coordenadoras, Cristina Pereira e Beatriz Cardoso, filha do presidente Fernando Henrique Cardoso, Teresa desenvolveu a metodologia de ensino para as escolas adotadas pela Companhia Vale do Rio Doce. Privatizada em 1997, a empresa firma sua imagem social com um projeto que custa pouco para seus cofres. O programa envolve 30 escolas municipais e estaduais nos oito municípios onde a empresa atua. O investimento no projeto, de R$ 17 milhões, vira uma gota no oceano se comparado ao lucro recorde de R$ 2,131 bilhões que a Vale, a maior exportadora de minério de ferro do mundo, teve no ano passado. De acordo com o edital de privatização, a Vale não teria obrigação de fazer investimentos como esse. Mas a empresa insiste em manter o programa. “Toda grande empresa do Primeiro Mundo investe pelo menos 1% de seu lucro em projetos sociais. Estamos começando, mas os resultados iniciais são animadores”, diz o diretor-superintendente da fundação, Fernando Alves. Quando ainda era uma estatal, a Vale do Rio Doce era obrigada a investir 8% de seu lucro líquido no social. Essa exigência desapareceu depois que a empresa foi vendida. Embora o porcentual hoje seja muito menor, Alves afirma que está havendo maior eficácia. “Em 44 anos, a Vale investiu US$ 356 milhões no social, mas sem foco definido e com resultados muito menos satisfatórios.”
O Escola que Vale tem transformado a rotina de 10 mil crianças e 300 professores. Na primeira fase, o projeto é totalmente direcionado ao professor, que, na condição de aluno, participa de oficinas e cursos de especialização. “É a oportunidade de pensar no que estamos fazendo e melhorar o desempenho. A escola pública é totalmente centrada no livro didático e agora temos a oportunidade de trazer o mundo real para nossos alunos”, conta a diretora do colégio Luís Serra, Sheila Martins.

Salário – É uma pena que o crescimento profissional não venha acompanhado de uma valorização do professor. Ao mesmo tempo que, incentivados pelo projeto, esses professores estão despertando para melhorar suas funções, isso não é acompanhado de nenhum incentivo financeiro. Em São Luís, a maior parte dos professores ganha um salário mínimo por mês: R$ 180. “Se eu for pensar no meu salário, nem entro na sala. Mas, quando estou aqui, penso apenas no prazer de ver as crianças chegarem ao fim do ano sabendo ler e escrever”, garante Tânia Nascimento, professora há nove anos.

A Fundação Vale do Rio Doce sabe que a baixa remuneração dos professores é um obstáculo para a melhoria do ensino. “Mas o professor consciente de sua posição tem força para lutar. Pode se impor na sociedade”, acredita a coordenadora-executiva do Cedac, Tereza Perez. A fundação fez gestões nas prefeituras para que os professores que frequentam os cursos e oficinas oferecidos pelo projeto sejam mais valorizados. Até agora, não tiveram sucesso. Mas a fundação e o Cedac não desistem de ampliar a parceria com os governos locais para expandir o trabalho. “O projeto não é caro, mas gastamos um bom dinheiro porque levamos os melhores materiais aos alunos. Nosso objetivo é criar metodologias que possam ser apropriadas pelo poder público”, defende Tereza.