No folclore popular – muitas vezes verossímil –, diretor de teatro é aquela figura enigmática, inatingível e com um repertório inesgotável de frases tão inteligentes quanto incompreensíveis. Felipe Hirsch, o encenador mais festejado do momento, prova o contrário. Atuando no eixo Rio–São Paulo, apesar de morar em Curitiba, onde há oito anos dirige a Sutil Companhia de Teatro, este carioca é uma figura pé no chão, simpática, bem-humorada e extremamente doce. Zen, mas ágil de raciocínio, com o mesmo entusiasmo é capaz de citar nomes tão díspares quanto os do dramaturgo irlandês Samuel Beckett, do comediante americano Jerry Seinfeld, do cineasta sueco Ingmar Bergman ou do cantor inglês Elvis Costello. “Quem gosta de Elvis Costello é meu amigo”, brinca. “Fazer teatro no Brasil é como jogar beisebol. Eu não sou ninguém, não sou sucesso. Sucesso é estar na Globo no domingo. Mas isso não me interessa”, avisa.

Modesto o rapaz. Em abril passado, ele arrebatou o Prêmio Shell de melhor diretor por A vida é cheia de som e fúria, peça baseada no livro cult Alta fidelidade, de Nick Hornby, e que acaba de reestrear no Teatro Popular do Sesi, em São Paulo. O prêmio soma-se a outros 40 ganhos por sua companhia, que é tema da tese de doutorado da pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), Célia Arns de Miranda. Hirsch também experimenta uma inédita e saborosa unanimidade da crítica com A memória da água, em cartaz no Teatro das Artes, no Rio de Janeiro, espetáculo em que ele utiliza belos recursos audiovisuais e radicaliza sua investigação sobre a fragilidade da memória. Ainda reafirma seu talento ao extrair interpretações marcantes dos atores como atesta Eliane Giardini, uma das estrelas de A memória…, que há dois anos já havia trabalhado com a mesma companhia em Por um novo incêndio romântico. “Ele gosta dos atores, sabe aonde quer nos levar”, elogia ela.

Sabedoria – Devido ao sucesso da peça, o diretor está sob uma chuva de convites para trabalhar com gente como Renata Sorrah, Xuxa Lopes, Marco Nanini e Marieta Severo, todos devidamente aceitos e agendados. Renata é a próxima da fila. “Felipe é como um vento bom que sopra no teatro brasileiro. O trabalho dele com os atores é precioso, é uma alegria conhecer um jovem com tanta sabedoria, delicadeza e bom gosto”, exalta ela que, em setembro, com Xuxa Lopes, começa a ensaiar Jantar entre amigos, texto inédito do americano Donald Margulies, com estréia prevista para novembro. No início de 2002, Hirsch deve estrear Play, texto de sua autoria sobre a obra do escritor americano underground Nicky Silver, tendo no elenco Marco Nanini e Marieta Severo. “É bom ver um jovem em busca de aprofundamento num mundo em que as pessoas têm escolhido cada vez mais o caminho curto e fácil. Ele tem um sentido de encenação muito apurado, é uma pessoa muito inteligente, delicada e equilibrada”, derrama-se Marieta.

Aos 29 anos, seria natural que o rapaz se intimidasse com estrelas de tamanha grandeza. “Mas o que me intimida é trabalhar com maus atores. Escutar, por exemplo, o Nanini e a Marieta lendo um texto é lindo”, diz. “O grande ator faz sempre melhor, e o que quero é caminhar junto. Não desejo ser um tirano, um diretor impenetrável”, determina Hirsch, que cita Antônio Abujamra e Denise Stoklos como suas grandes fontes de inspiração.

Jovem, ele já pode ser considerado um veterano no teatro. Muito antes de montar a Sutil Companhia de Teatro, em 1993, com Guilherme Weber e Erica Midon, baseada em Curitiba, já tinha percorrido muita estrada. O início se deu aos 13 anos, logo após se mudar do Rio para Curitiba, onde até hoje mora com a mãe num apartamento lotado de livros e cerca de dois mil CDs. Na época, juntava uns amigos e iam ensaiar Fausto, de Goethe. “Para você ver como Curitiba não tem nada para fazer”, ironiza o diretor, que até hoje precisa se enfurnar naquela cidade para escrever com calma. Quando não está lendo ou produzindo, sai pouco. Não bebe e diz não gostar de festas. Vai abrir uma exceção para uma participação como DJ por meia hora na festa da Brasil Telecom, na terça-feira 12, no Jockey Club carioca. Garantia de que vai rolar muito The Clash, Prince e R.E.M.

Mesmo com tantos compromissos – tem projetos para até 2003, quando comemora os dez anos da sua companhia e a assinatura de 20 trabalhos profissionais –, Felipe Hirsch não se apavora. Igualmente não se preocupa em, de repente, se tornar repetitivo. “A gente vive de clichê. É lógico que daqui a quatro espetáculos não vão mais gostar de mim, mas não importa. Não me assusta ser exigido artisticamente. Tenho um trabalho consistente e sei aonde quero chegar.” Parece que determinação não faltará.

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