A morte de Antônio Ermírio de Moraes no domingo 24, aos 86 anos, cessa um período fascinante da história empresarial brasileira. Enquanto no mundo de hoje as marcas se tornaram mais fortes do que os rostos por trás delas, Antônio Ermírio firmou-se em seu tempo como o último de uma linhagem de industriais que transcenderam a imagem de suas próprias empresas. À frente do Grupo Votorantim, o quinto maior conglomerado da América Latina, líder na produção de cimento no Brasil e um dos maiores fabricantes mundiais de celulose, este paulista de hábitos simples e capacidade descomunal de trabalho conquistou a admiração de empresários, banqueiros e políticos – mas não só deles. Na condição de mantenedor e administrador do hospital Beneficência Portuguesa, onde deu expediente por quase 40 anos, Antônio Ermírio foi estimado também pelos mais pobres, que puderam desfrutar de atendimento médico de qualidade sem pagar um centavo por isso. “A personalidade de Antônio Ermírio foi marcada pela combinação virtuosa de simplicidade, humildade e generosidade”, escreveu, em um artigo publicado no jornal “O Estado de S.Paulo”, o professor da USP José Pastore, autor da biografia do empresário.

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"Ser rico não significa absolutamente nada na minha vida.
O que me dá satisfação é trabalhar, investir, gerar emprego"

A melhor maneira de entender Antônio Ermírio é atentar às suas frases mais marcantes. Nacionalista, irritava-se com os empresários que não acreditavam no Brasil. “Quem não confia no País deve ir para fora, com passagem só de ida.” Tinha pavor do conformismo dos ricos. “A nossa elite precisa ser mais humana.” Nutria verdadeira ojeriza à ostentação que o dinheiro poderia proporcionar: “Ser rico não significa absolutamente nada na minha vida. Chamar a atenção é um desrespeito à pobreza”. O seu mantra era o trabalho incansável, sete dias por semana, sem férias e sem folga: “O que me dá satisfação é trabalhar, investir, gerar emprego”.

Formado em engenharia metalúrgica na Colorado School of Mines, nos Estados Unidos, Antônio Ermírio começou a trabalhar no Grupo Votorantim, fundado por seu avô, como estagiário não remunerado. Em 1955, criou a Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) depois de uma aventura. Para desvendar o potencial hidrelétrico do rio Juquiá, em São Paulo, embrenhou-se na mata e abriu picadas com a ajuda de um pequeno grupo de funcionários. Nascia assim a primeira indústria de alumínio do País. Em 1962, assumiu todas as empresas do grupo, transformando-o rapidamente num colosso empresarial, com negócios nas áreas de cimento, metais, energia, celulose e siderurgia. No velório do pai, Regina de Moraes falou do amor de Antônio Ermírio pelo trabalho. “A paixão dele era a fábrica”, disse Regina. “Durante muitos anos, ele andou de Santana. Só no fim da vida se deu ao luxo de ir para a praia de helicóptero. No trajeto, pedia para o piloto sobrevoar a fábrica.”

Empresário de sucesso, Antônio Ermírio achou que poderia mudar o País pela via política, o que ele próprio consideraria mais tarde como o maior equívoco de sua vida. Em 1986, candidatou-se pelo PTB ao governo paulista. Depois de uma campanha encarniçada – a Votorantim foi bombardeada pelos adversários –, perdeu a disputa para Orestes Quércia e prometeu nunca mais voltar ao jogo eleitoral. Crítico contumaz do PT, teve anos depois a grandeza de apontar os acertos do governo Lula.

A simplicidade foi a maior marca de Antônio Ermírio. Mesmo sendo um dos homens mais ricos do País, gostava de andar a pé pelo centro de São Paulo, sem seguranças, e conversar com gente de todo tipo. Usava ternos amarrotados – “quem se preocupa com isso não pensa nas coisas importantes da vida” – e, quando pegava um táxi, sentava no banco da frente para poder conversar de igual para igual com o motorista. Muitos o consideram o maior filantropo da história do Brasil. Na Beneficência Portuguesa, colocou sua capacidade administrativa para recuperar as finanças do hospital. Certa vez, sob o risco de o salário dos funcionários atrasar, assinou um cheque pessoal e bancou a folha de pagamento. Jamais alardeou suas doações, descobertas apenas quando os beneficiados se manifestavam. Num sábado, ao ler no jornal a respeito da penúria do Colégio São Bento, um dos mais tradicionais de São Paulo, deixou o escritório para bater na porta da escola e oferecer ajuda. Antônio Ermírio foi um gigante empresarial, mas ele achava que a verdadeira riqueza estava em ações como essas.

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Foto: Biô Barreira


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