Há mais de 100 tribos indígenas que vivem em isolamento na Amazônia. No final de junho, a Fundação Nacional do Índio (Funai) filmou alguns índios xatanawas, etnia baseada na fronteira do Brasil com o Peru, em território brasileiro. Em litígio com madeireiros peruanos, os xatanawas teriam se aproximado da tribo ashaninka, da aldeia Simpatia, para buscar armamentos. Após o primeiro contato com a tribo vizinha e com funcionários da Funai, sete deles contraíram gripe por meio de peças de roupas furtadas da Aldeia Simpatia e precisaram receber tratamento médico do governo. “É uma situação preocupante”, diz o médico Douglas Rodrigues, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Como eles têm pouca imunidade, o quadro poderia ter evoluído rapidamente para pneumonia, colocando-os em risco de morte.”

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ISOLADOS
Xatanawas buscam contato com vizinhos da aldeia Simpatia.
Em litígio com madeireiros peruanos, eles foram atrás de armas e contraíram gripe

A transmissão de doenças típicas do homem branco para indígenas é um problema desde o Brasil colonial, quando povos inteiros foram dizimados. Ainda hoje, o ritmo de mortes continua acelerado. “Nos últimos 30 anos, as epidemias foram responsáveis pela redução de 60% dessas populações”, afirma Guenter Francisco Loebens, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que trabalha há 13 anos com índios isolados. “Contatos com grupos que vivem em isolamento não deveriam ocorrer porque a história tem mostrado que os resultados podem ser trágicos.” A gripe não é a única doença que preocupa os indigenistas. Oito povos do Vale do Javari, no Amazonas, vivem sob o risco de contrair outras enfermidades, como turbeculose, hepatite e malária.

Rodrigues e servidores da Funai temiam que os indígenas gripados – tratados com antibióticos de baixa toxicidade – pudessem contagiar os demais integrantes da aldeia. Eles se fixaram na base do Xinane, localizada na Terra Indígena de Kampa e Isolados do rio Envira, entre as cidades de Feijó e Jordão, no Acre, que já recebeu quase 30 índios que decidiram se estabelecer nas casas montadas próximas à Frente de Proteção Etnoambiental da Funai. Ao todo, foram vacinados contra hepatite, meningite, varicela, sarampo e pneumonia 22 índios mantidos em isolamentos na base de Xinane. “Quanto maior a necessidade de estabelecer o contato, maior o risco de contrair doenças transmissíveis”, explica Antônio Alves de Souza, secretário especial da Saúde Indígena. Há cinco anos, a tribo de koburo, do Vale do Javari, também tentou se comunicar com indígenas vizinhos e teve de ser vacinada. “A grande dificuldade é que não sabemos quantos pertencem ao grupo e precisamos esperar que eles mesmos recorram aos serviços de saúde”, diz Souza.

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Essa região do Acre é de difícil acesso, por isso é complicada a chegada de alimentos e medicamentos. “Depois dos primeiros contatos, fizemos uma reforma na base para conseguir atendê-los”, afirma Carlos Travassos, coordenador-geral de índios isolados e recentes contatos da Funai. “Não sabemos por quanto tempo eles vão permanecer e a cada dia tem chegado mais pessoas.” Em 2011, a base foi invadida por paramilitares peruanos, o que provocou a fuga de todos os servidores da Funai. Desde então, ela permaneceu desativada e só voltou a funcionar em junho, com a aproximação dos xatanawas. Com um orçamento anual de R$ 2,7 milhões para localizar tribos isoladas, a autarquia federal mantém hoje 12 Frentes de Proteção Etnoambiental na Amazônia e tem como política de trabalho o não contato com os povos indígenas isolados, salvo em momentos considerados de risco.

A forma como a Funai acompanhou o contato estabelecido com os xatanawas, atraídos pelos vizinhos com cachos de banana, foi muito criticada por especialistas. “Os índios ficaram expostos a uma condição degradante em pleno século XXI”, diz Lindomar Padilha, coordenador do Cimi. “Foi longe do ideal, mas os servidores estavam trabalhando sem a devida estrutura”, argumenta Travassos. Dias depois, a ONG Comissão Pró-índio do Acre solicitou do governo federal um aporte emergencial de R$ 5 milhões para o apoio e a proteção aos índios isolados na região. Esse dinheiro seria aplicado na reconstrução da Frente de Proteção Etnoambiental de Envira, além da criação de mais duas novas bases. O pedido está em análise no Ministério da Justiça e na Funai.

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