A cena inusitada no final da manhã do domingo 17, em frente ao Palácio das Princesas, sede do governo de Pernambuco, estava fora da agenda dos candidatos na eleição de 2014. Em torno do caixão de Eduardo Campos, misturados com parentes, amigos e uma multidão de milhares de pernambucanos, agruparam-se quase todos os pesos-pesados da política brasileira. A consternação provocada pelo trágico acidente de Santos levou para o mesmo ambiente adversários de Campos, como a presidenta Dilma Rousseff e o tucano Aécio Neves, a companheira de chapa Marina Silva, o ex-aliado Luiz Inácio Lula da Silva, e nomes centrais do jogo eleitoral, a exemplo do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e de José Serra, derrotado por Dilma no segundo turno da disputa de 2010. A ampla constelação de personalidades naquele momento de tristeza reflete o espectro de relações cultivadas pelo candidato do PSB ao longo de sua trajetória pública, interrompida no dia 13 de agosto pelo acidente com o jatinho Cessna Citation. Se, por um lado, não há dúvida de que todos ficaram sinceramente chocados com a morte do candidato socialista, também se pode dizer que, mesmo em clima de tristeza, eles se encontravam em plena campanha eleitoral.

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Os movimentos das autoridades foram acompanhados com atenção pelos presentes e por dezenas de câmeras fotográficas e de tevê, que mostraram ao vivo as imagens do velório para todo o Brasil. Assim, o País viu os cumprimentos civilizados entre Aécio, Dilma, Marina e Lula – esse, de longe, o mais abatido com a perda do amigo que se transformou em adversário na eleição deste ano. Um a um, eles chegavam e abraçavam a viúva, Renata Campos, centro das atenções dos presentes e de boa parte dos brasileiros. As imagens do velório tiveram um inegável apelo político. Em maior ou menor grau, funcionaram como peça de marketing dos candidatos. De certo modo, o funeral se tornou o pano de fundo para articulações entre políticos de todos os matizes. Eles estavam, claro, abatidos pela tragédia, mas também dispostos a reorganizar suas estratégias para as eleições de outubro.

Foi nesse clima de consternação e de um indisfarçável teatro político que os adversários de Dilma ressaltaram que ela recebeu discretas vaias – mas seguidas de tímidos aplausos – quando chegou ao velório. Muito criticada por Eduardo Campos desde que ele assumiu a candidatura ao Planalto, a presidenta se manteve impassível ao som dos apupos. “Ela não deveria ter vindo aqui”, afirmou diante dos holofotes, poucos minutos depois da chegada de Dilma, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), contumaz oposicionista do PT e, até pouco tempo atrás, rompido com a família do morto.

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O clima de hostilidade com a presidenta transpareceu ao longo daqueles dias nas ruas do Recife. Contribuiu para isso uma teoria conspiratória segundo a qual a queda do jatinho teria sido provocada por um atentado. Na terra natal de Campos, o conterrâneo que poderia chegar ao comando do País, pequenas manifestações se espalharam pelas ruas. Gritos como “justiça, justiça” e “fora, Dilma, agora é Marina” ecoavam nas ruas do centro da cidade no dia do enterro. Dono de grande popularidade em Pernambuco, Lula parecia esquecido pela população local. De forma ostensiva, os eleitores pernambucanos também faziam campanha. Quando o cortejo deixou o palácio e seguiu para o cemitério no meio da multidão, passou por vários carros de som que repetiam o jingle dos candidatos do PSB ao Planalto. “Coragem para mudar o Brasil, eu vou com Eduardo e Marina”, dizia a letra, em ritmo de rap.

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Longe dos olhos do público, a tensão política era maior do que nas ruas. Ainda sob o impacto da tragédia, os partidos tiveram de repensar suas estratégias. Enquanto Eduardo Campos era velado, tucanos e petistas tentavam prever o impacto da saída dele do jogo sucessório. Por razões óbvias, os mais agitados eram os socialistas. Os caciques do PSB precisaram tomar decisões rápidas para atender aos prazos legais da Justiça Eleitoral e indicar logo a nova chapa para disputar o Planalto. O presidente da sigla, Roberto Amaral, resistiu a chancelar o nome de Marina como substituta de Campos. Por causa disso, os socialistas ficaram reunidos praticamente em tempo integral mesmo durante o funeral. A batida de martelo com os nomes da ambientalista para presidente e do deputado gaúcho Beto Albuquerque como vice só aconteceu na noite da terça-feira 19. O rearranjo interno das mudanças no comando de campanha do PSB ainda se arrastou durante toda a semana passada.

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As homenagens a Eduardo Campos contaram até com adversários ferrenhos, como o governador do Ceará, Cid Gomes, e seu irmão Ciro. Ambos pertenciam ao PSB, mas deixaram o partido e foram para o PROS depois que Campos impediu a candidatura de Ciro ao Planalto, em 2010. Entre os que não compareceram, os mais notados foram os octogenários ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e José Sarney – à exceção da maioria dos outros que fizeram questão de marcar presença em um momento de comoção nacional, eles não são candidatos a nada. Sarney, porém, teve uma razão adicional para não comparecer. Desde que entrou em campanha para suceder Dilma, Campos escolheu o veterano político maranhense como um dos símbolos da “velha política” a ser derrotada. Se o ex-presidente aparecesse, teria grandes chances de ser recebido com vaias. 


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