Algumas das mais importantes instituições de ensino do País atravessam a maior crise financeira de sua história. Para pagar os salários dos funcionários, contratos, contas de luz e telefone, a Universidade de São Paulo (USP) gasta cerca de R$ 90 milhões a mais do que recebe do Estado por mês. Nesse ritmo, estima-se que até o final do ano será gasto mais de R$ 1 bilhão acima da receita. O aumento das despesas pode ser explicado, em parte, pela incorporação de novos campi e novas contratações. De 2010 a 2013, por exemplo, foram admitidos mais de 2.400 servidores técnicos e 395 docentes. Hoje a conta não fecha e a universidade destina 105,33% de seu orçamento para o salário dos funcionários. O cenário de altas despesas não é diferente em outras instituições. A Universidade Estadual Paulista (Unesp) emprega 95% de sua receita com a equipe e a Universidade de Campinas (Unicamp) compromete 97% da folha de pagamento com servidores e docentes. “Se continuarmos sem investimentos e a administração se mantiver intransigente, em dois ou três anos vamos assistir a avaliações negativas do Ministério da Educação em instituições que eram centros de referência internacionais”, afirma Tamara Naiz, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos.

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PARALISAÇÃO
Em greve desde maio, docentes e funcionários das universidades
estaduais paulistas reivindicam o reajuste salarial

Desde maio, parte dos professores das três instituições está em greve por tempo indeterminado contra o congelamento dos salários determinado pelo Conselho de Reitores das Universidades Paulistas. A comunidade acadêmica é contrária à medida por considerar que, com a atual inflação, não conceder o reajuste significaria uma queda salarial. O reitor da USP, Marco Antonio Zago, afirmou que as universidades paulistas estão retirando recursos da poupança para arcar com os gastos. “É uma situação insustentável que pode nos levar rapidamente à inadimplência”, afirma. “Tivemos que reduzir gastos de consumo, suspender obras em andamento e todas as contratações.”

Em uma tentativa de atenuar a crise, a USP estuda, desde a semana passada, implementar um programa de demissão voluntária de funcionários e oferecer um incentivo para professores reduzirem as jornadas. De acordo com a proposta, as demissões poderiam diminuir em 10% o gasto da instituição com a folha de pagamento. Já uma redução de 25% da jornada possibilitaria um corte de 20% nos salários. “É uma proposta descabida porque a reitoria não dialogou com a comunidade acadêmica nem com o governo estadual”, diz Francisco Miraglia, secretário-geral da Associação de Docentes da USP. Os professores reivindicam um aporte imediato de R$ 600 milhões para dividir entre as três universidades paulistas até o final do ano.

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MANOBRA
Reitor da USP, Marco Antonio Zago: tirando da poupança para pagar despesas

Embora a crise tenha sido deflagrada pelas greves nas universidades de São Paulo, outras instituições amargam a mesma realidade. A insuficiência de financiamento do governo, a ausência de regras específicas para licitações de equipamentos e a falta de autonomia são os principais entraves ao desenvolvimento do ensino superior público no País. A legislação prevê que as instituições estaduais de São Paulo recebam 9,57% do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e sobre Prestação de Serviços (ICMS). Na Bahia, diferentemente, os recursos estão vinculados à receita do Estado. A presidenta da Associação Brasileira dos Reitores das Universidades Estaduais e Municipais, Adélia Pinheiro, explica que esses repasses deveriam ser revistos periodicamente. “Os recursos estão submetidos a indicadores que variam, mas as despesas das universidades só aumentam”, diz. Outro problema é a falta de regras específicas para licitação de equipamentos nas instituições. Além da demora na chegada das máquinas, Adélia explica que o menor custo pode comprometer a qualidade da produção acadêmica.

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SEM RECURSOS
A Unesp (acima) tem 17 campi em greve parcial de professores e
funcionários e a Ufam (abaixo) sofre com o sucateamento de laboratórios

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Ao contrário das estaduais, que podem gerir seus recursos livremente, as instituições ligadas ao governo federal recebem o aporte do Ministério da Educação e sofrem com a falta de autonomia. Os recursos são fiscalizados pela União e não é possível dividir o valor entre os setores da universidade. “Se a instituição economizou dinheiro, esse montante não é passado para o ano seguinte, é devolvido à União”, explica Targino de Araújo Filho, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior. Com isso, a eficiência da gestão dos recursos fica comprometida. Além disso, as instituições federais enfrentam a falta de infraestrutura nos espaços de aula. Na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), os docentes denunciaram a precariedade do Instituto de Ciências Biológicas, que expõe alunos, professores e funcionários a condições insalubres. Sem equipamentos e materiais para o início das aulas, a Universidade Federal de Sergipe está em greve desde 3 de junho. O presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Luiz Henrique Schuch, afirma que é preciso reagir. “A educação e o diploma de ensino superior não podem ser tratados como insumo de um sistema motivado pelo lucro imediato.”

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