Passava das 11 horas da manhã da quarta-feira 13 quando o telefone de Renata Campos, mulher de Eduardo Campos, tocou. Ela acabara de desembarcar do voo comercial que a levou do Rio de Janeiro para Recife com o bebê Miguel, de sete meses e filho mais novo do casal. Do outro lado da linha, o tio de Eduardo, Pedro Arraes, queria desmentir os boatos que rondavam o mundo político naquele momento sobre a queda do avião com o presidenciável e sua comitiva. Renata disse que sabia que o jato havia caído, mas que os passageiros estavam apenas feridos e recebendo atendimento médico. A conversa com Pedro ainda não havia terminado quando alguém próximo entregou outro telefone para Renata. Do outro lado da linha, uma pessoa que esperava por Eduardo em São Paulo disse que ele havia morrido. Renata entrou em choque, desligou o telefone e chorou. Quase na mesma hora, na Igreja de Casa Forte, no Recife, 60 pessoas assistiam à missa celebrada pelos nove anos da morte de Miguel Arraes, avô de Eduardo. A viúva de Arraes, Magdalena, estava presente e cercada por amigas fiéis da família. Às 11h30, depois do fim da liturgia, o padre deu a terrível notícia: Eduardo Campos tinha sofrido um acidente de avião. Provavelmente estava morto. Portadora da doença de Alzheimer, Magdalena, 84 anos, não se deu conta da dimensão da tragédia e parecia desconhecer o motivo que levou as amigas a se desesperarem.

abre.jpg
DOR
A aposentada Amália Maria em frente ao Palácio das Princesas:
É difícil se conformar com essa tragédia"

Aturdidos pela morte, os familiares tentavam, naqueles primeiros momentos, se apegar às últimas lembranças do ente querido. Renata rememorava a conversa derradeira que teve com o marido. Antes de embarcar para Santos, ele telefonou para ela e comentou uma reportagem publicada por um jornal, que falava mais dela do que dele. Como sempre, os dois riram juntos, se divertiram com as coisas do dia a dia. “Disseram que você manda em mim”, disse Eduardo. Ela pediu que o marido enviasse uma cópia do texto. Foi a última mensagem que recebeu dele. A recordação dos diálogos finais vêm para todos. O irmão de Eduardo, Antonio Campos lembrou como ele estava feliz e satisfeito pelo desempenho na entrevista para o “Jornal Nacional”, na noite anterior à tragédia. “Falei com o Eduardo às 6h59 de quarta-feira e ele estava entusiasmado, leve”, afirma Antonio. O avião cairia menos de três horas depois.

01.jpg
CHORO
Escritório do PSB no Recife: nos lugares que Eduardo
frequentava, o sofrimento foi maior

Na semana passada, a casa da família Campos se tornou ponto de peregrinação de amigos e parentes. Mais de 300 pessoas foram prestar solidariedade a Renata. Um por um ela abraçava os que chegavam. Quando estava entre os mais próximos, chorava discretamente. Em voz baixa, quase inaudível, repetia “vamos ficar fortes”. Em alguns momentos, parecia que era ela quem tinha a missão de ajudar os visitantes a superar a dor. Firme, não abandonou um minuto sequer o papel de mãe. Conversava com os filhos mais velhos, tentava animá-los e amamentava regularmente o bebê, nascido em janeiro e que tem síndrome de Down. Miguel, ativo e esperto, era o único que despertava sorrisos. Uma cena triste foi a chegada do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), José Mucio Monteiro, à casa dos Campos. Ele estava acompanhado de Ana Arraes, mãe de Eduardo, e ambos pareciam profundamente consternados. “Se havia uma coisa nova na política, era o Eduardo”, disse Monteiro, que fazia um esforço enorme para manter o controle emocional. “Todos perdemos demais. Para a família, a realidade e os efeitos dessa tragédia virão com o tempo.”

02.jpg

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Na quinta-feira 14, Renata quis celebrar uma missa na área externa da casa onde morava com Eduardo desde o casamento. Cerca de 150 pessoas compareceram. João Henrique, 20 anos, leu um trecho do Livro de Jó que discorre sobre a vida eterna. Os irmãos Pedro, 18 anos, e Maria Eduarda, 22, ajudavam nos trabalhos, enquanto José Henrique, 9, não saía de perto da mãe. Usando um vestido preto que revelava a dor do luto, Cecília Ramos, mulher do assessor de Eduardo, Carlos Percol, que também morreu na queda do avião, consolou-se com as palavras do padre Luciano Brito.

A consternação pela morte de Eduardo uniu desconhecidos e fez Pernambuco mergulhar em uma tristeza profunda. Por toda Recife, pessoas se reuniram em locais públicos para falar sobre o ex-governador. Até o comércio parecia caminhar em marcha lenta. “Está todo mundo triste como se tivesse morrido um familiar”, resume a vendedora Ana Silva, que trabalha no Mercado Público. “A grande questão nessa história é como se conformar com tamanha tragédia”, diz a aposentada Amalia Maria da Silva, que rezava em frente ao Palácio das Princesas, no que era acompanhada por dezenas de pessoas. Em lugares que Eduardo costumava frequentar, a comoção vai demorar para passar. Em Caruaru, o restaurante que recebeu o cliente ilustre por 25 anos declarou luto e espalhou fotos do ex-governador pelas paredes. No comitê central da campanha, no Recife, uma enorme faixa preta foi pendurada pelos funcionários.

03.jpg
LUTO
Cecília Ramos, viúva do jornalista Carlos Percol, chega à casa de Campos

Um assunto que preocupava a família era o funeral e o desejo de que o corpo do presidenciável chegasse logo à terra natal. Renata não queria que Eduardo tivesse prioridade no reconhecimento dos restos mortais. Ela disse que os trâmites deveriam ser os mesmos para o marido e as outras seis vítimas da tragédia. No cemitério de Santo Amaro, na região central do Recife, admiradores do ex-governador visitavam o local onde corpo será enterrado. A equipe de cerimonial do governo e integrantes do corpo de bombeiros discutiam a colocação de toldos e grades de segurança sob o olhar curioso de uma dezena de pessoas. “Eu vim aqui para enterrar o avô dele, o Miguel Arraes, e nunca imaginei que, velha como sou, estaria aqui para enterrar o Eduardo.” Para vários amigos, Renata Campos disse uma frase que traduziu o sentimento de todos: “Parece que a morte se confundiu e levou a pessoa errada.”

04.jpg
HOMENAGEM
Flores no Palácio das Princesas, sede do governo de Pernambuco

Fotos: Adriano Machado; Guga Matos/Ag. O Globo, DIEGO NIGRO/Ag. Estado 


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias