PAULO-LIMA-IE-2333.jpg
Nelsinho relaxa em sua casa no Rio, com vista
permanente para o mar e para o mundo

Há quem aponte a sexta-feira à noite como o melhor momento da semana. Em geral, é quando se concluiu a jornada, contabilizaram-se as perdas e, com um pouco de sorte, os ganhos e se tem toda a perspectiva de um fim de semana para zerar o odômetro, fazer o que der na telha e subir a lente para enxergar o todo da vida, e não apenas as partes. De alguma forma o editor do “Jornal da Globo” deve ter levado tudo isso em conta quando definiu a escalação de seu colunista mais interessante para as noites de sexta. É nelas que o trabalho vigoroso e atento de Nelson Motta brilha há seis anos. Como sempre tratou de fazer na vida, em sua coluna global Nelsinho transita. Vai sem cerimônia para onde lhe der na telha. Pode contar sobre suas aventuras ao lado de Raul Seixas num dia, no outro pode falar sobre como seu amigo Tim Maia expressava seu desgosto com o próprio pênis em noites de porre ao lado do amigo que ele insistia em chamar de Nelsômotta. Numa outra semana pode mirar o cinema, tratando de algum ator ou filme que lhe tenha parecido único, ou mesmo navegar pela semelhança artística entre Picasso e Miles Davis, pelas quebradas das poesias de Paulo Leminski, pela luta de Muhammad Ali contra o racismo ou, claro, pelas mulheres lindas e incríveis que ele conheceu ao longo das décadas (biblicamente ou não), numa lista que consegue trafegar sem obstáculos ou desvios por nomes que vão de Marisa Monte a Leila Diniz.

Debaixo da retranca mágica denominada “Comportamento”, uma espécie de salvo-conduto que se dá a alguns colunistas muito especiais, ele usa sua arma mais letal, o sorriso, para matar nos cerca de cinco minutos de suas crônicas televisivas, pautas muitas vezes cabeludas, sempre com pegada leve, estilosa e exata. Isso, claro, lançando mão do auxílio luxuoso do inigualável acervo global de dados e imagens e das feras da edição e da produção que, em boa medida, são grandes responsáveis pelos maiores acertos da emissora da família Marinho. O jovem da foto completa em outubro 70 anos.

Pai de três filhas e avô de três netos, vem participando como integrante e propagador de quase tudo que possa ter merecido o carimbo de “novo” na música do Brasil nos últimos quase 50 anos. Bossa nova, tropicalismo, sua famosa incursão no ramo das casas noturnas, como a Dancin’ Days e a Noites Cariocas, entre outras, a invenção das Frenéticas, as bandas de rock/pop dos anos 1980, o cirúrgico e matador lançamento de Marisa Monte na cena da MPB, etc. E ele continua produzindo sem parar, em todas as mídias, sempre com a cabeça modulada no grau máximo de abertura para o que possa ser original, mas que, ao mesmo tempo, carregue a vocação para virar clássico. Nas palavras dele: “Tenho uma alma de fã, gosto de admirar as pessoas. Isso me ajudou muito na vida”.

Nelsinho trabalha muito desde os 16 anos. Jornalista, letrista, compositor, roteirista, escritor (tem 14 livros publicados, sendo que só “Noites Tropicais” e “Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia” venderam juntos mais de 300 mil exemplares) e produtor musical, construiu sua vida e identidade profissional com muita correria, mas também com doses industriais de savoir-vivre e de talento. Por onde passou teve a habilidade de fazer muitos amigos sem carregar a pecha de puxa-saco. Sobre isso ele comentou em entrevista para o jornalista Pedro Só, na “Trip”, em 2012: “Durante toda a minha vida, muitas vezes fiz amigos no trabalho e muitas vezes me juntei com amigos para trabalhar. Às vezes eu imagino que é como uma lasanha. Tem uma camada de época da vida e aqueles amigos todos de recheio, uma outra camada de outra época e mais outros amigos de recheio, e aí você corta a lasanha e vai vindo tudo junto. O que eu sou hoje é a soma desses encontros com amigos”.

Ver Nelson Motta completar 70 anos é, além de tudo, uma aula para reverter uma ideia equivocada e deprimente instalada no Brasil que costuma associar idade com decadência e com desencaixe da sociedade. Nelson Motta prova, com sua cabeça viva e moleca, que envelhecer bem faz bem.

A coluna de Paulo Lima, fundador da editora Trip, é publicada quinzenalmente