Não é nas farmácias nem nos hospitais, mas sim na informação, que estão os mais eficazes medicamentos e métodos para a prevenção de doenças. As autoridades brasileiras no campo da saúde pública têm o mérito de colocar o País como referência mundial na distribuição do coquetel antirretroviral destinado ao controle do HIV no organismo humano. Falham, no entanto, na promoção de campanhas claras para explicar que a ingestão de bebidas alcoólicas é uma das principais portas de entrada do vírus da Aids. O Brasil vai muito bem no tratamento e muito mal na prevenção. Fala-se nas campanhas sobre sexo não seguro, mas cala-se a respeito de uma das mais prevalentes razões para a ocorrência desse tipo de relação: o consumo de álcool – e isso em um país no qual é alarmante o uso de bebida entre os jovens. É sobretudo esse o motivo de o Brasil arcar com o aumento no número de novas infecções entre 2005 e 2013, segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas HIV/Aids. Em todo o mundo, o índice de novos casos diminuiu 28%; aqui subiu 11%. Na América Latina, é no Brasil que o HIV mais se disseminou na última década.

Depois da cafeína, a bebida alcoólica está em segundo lugar no rol das substâncias psicoativas mais consumidas. Trata-se de uma droga depressora do sistema nervoso central, que implica alterações comportamentais, seja na cronicidade (beber todo dia), seja na intoxicação aguda (beber muito a cada vez, ainda que esporadicamente). Na verdade, o risco de exposição ao HIV é maior na intoxicação aguda, pois o alcoolista acaba tendo inapetência sexual, o que não acontece com quem se embebeda de vez em quando e sente exacerbada excitação. Estudos internacionais frisam que o “consumo de álcool deveria ser incluído como fator a para prevenção do HIV”, e isso precisa ser dito claramente em escolas, nas telas dos cinemas antes de os filmes começarem e nos intervalos das programações de tevê. E dito com todas as letras. No sexo oral, por exemplo, as células da boca, expostas a 4% de álcool por 15 minutos, se tornam até seis vezes mais vulneráveis ao vírus – principalmente se houver feridas na mucosa bucal.

Outro dado importante: o acréscimo de 0,1 miligrama de álcool por mililitro de sangue aumenta em 5% o risco de se fazer sexo não seguro – em qualquer forma de relação. É desse ponto que nasce a mais vital questão: por que uma dose a mais expõe a pessoa ao sexo inseguro? Por que homens ou mulheres quando bebem podem desprezar a camisinha, se antes de beberem juraram que a usariam? O que ocorre é que o álcool age nos neurotransmissores, destacando-se o ácido gama-aminobutírico alfa (Gaba A) e o glutamato – o primeiro é inibitório, o segundo, excitatório. São das ordens e contraordens que o álcool dá a eles (alegrar, deprimir) que surge a falência da capacidade de julgamento e da preservação da memória, em um processo que envolve também neurotransmissores, como dopamina e os de ação serotoninérgica. Ninguém esquece da camisinha porque bebeu além, esquece de usá-la porque “esqueceu” de parar numa dose segura – ou seja, “esqueceu” mesmo é de parar de beber, e esse “esquecimento” já é a perda da crítica. Esquecer do preservativo é mera decorrência. Não dá para ir à balada e deixar o Gaba em casa. O ideal, então, não é a pessoa comprometer-se consigo em utilizar camisinha, já que isso é esquecido se ela beber muito, mas comprometer-se que não beberá ou não tomará mais que uma dose. Vale lembrar o escritor chinês Bai Juyi: “Basta um copo para eu despertar, dois para afastar a tristeza de vez. Após três copos vem a embriaguez”.
E, muitas vezes, com HIV.

Antonio Carlos Prado é editor executivo da revista ISTOÉ


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