Mais que moda ou pura nostalgia, o espírito dos anos 1970 volta às telas da Rede Globo para tentar salvar o Ibope do horário, que atingiu a pior pontuação histórica na anterior “Meu Pedacinho de Chão”, de Benedito Ruy Barbosa. “Boogie Oogie”, nova novela das 18h da Rede Globo, estreou na segunda-feira 4, exibindo ícones daquela década a cada cena e uma seleção de hits da chamada “Era Disco” difícil de achar até mesmo em LPs da época. A missão é clara: alavancar o horário que marcou a pior audiência de um último capítulo de novela, 19,1 pontos no Ibope, na sexta-feira (1º/8). Ambientada em uma boate, em 1978, o novo folhetim olha para trás. Mais precisamente para outra produção da mesma emissora, “Dancyn’ Days”, exibida nos mesmos 1978 e , não por acaso, de volta ao ar no canal Viva.

DECADA-ABRE-IE-2333.jpg
PANTERAS
Deborah Secco, em "Boogie Oogie", e seu visual à la
Farrah Fawcett: símbolos sexuais

DECADA-02-IE-2333.jpg

Autor de “Boogie Oogie”, o moçambicano Rui Vilhena tinha 18 anos em 1978. Um ano antes, o filme “Os Embalos de Sábado à Noite”, que catapultou John Travolta à fama, fez o mundo riscar as pistas. Vilhena não fugiu à regra. Foi ver como era a vida nas discotecas do Rio de Janeiro, que, naquela época, era uma festa, uma descontração que terminava na pista de dança. “Quero transmitir na história esse astral”, diz o autor.

A febre não é local. Em Hollywood, a década de 70 fervilha desde o ano passado. “Argo”, que ganhou duas estatuetas do Oscar em 2013, abusou de golas compridas, costeletas e calças boca de sino na composição dos personagens. Este ano, “Trapaça” concorreu ao Oscar de melhor figurino vestindo Amy Adams com decotes profundos e mostrando Bradley Cooper com cabelo cacheado. Já faz, aproximadamente, dois anos que o mercado da moda, lá fora, colocou o metalizado, as franjas, o macacão e as bijuterias de forma mais geométrica com força novamente nas prateleiras. Na releitura de looks que foram tendência quatro décadas atrás, a Globo fez de Deborah Secco uma espécie de Farrah Fawcett, a eterna pantera, com calça de cintura alta e cabelo escovado.

DECADA-04-IE-2333.jpg
REVIVAL
Bianca Bin com o visual inspirado na personagem de Sônia Braga
em "Dancyn’ Days", de 1978: da discoteca para as ruas

DECADA-03-IE-2333.jpg

Já a atriz Bianca Bin, colega de elenco, pode ser vista em uma cena de hot pants (shorts curtos com cintura alta), meia e salto plataforma como a Julia Mattos vivida por Sônia Braga em “Dancyn’ Days”. A década de 1970 foi um momento paradoxal no Brasil.

A ditadura militar perseguia, torturava e matava. Mas havia na música, no cinema e nas artes uma esperança pela abertura. Mais que isso, apesar da censura apertada em todas as áreas da cultura, a criação fervilhava, com uma qualidade que depois disso não mais se viu. “A década de 70 parece não ter ficado para trás porque quem fazia e acontecia não morreu nem física nem culturalmente falando. Eles, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, estão aí e produzindo”, afirma a antropóloga Mirian Goldenberg, autora de “Toda Mulher É Meio Leila Diniz”.

Os três últimos anos que precederam a década de 80, porém, foram de pura euforia, marcados por ousadias no campo do comportamento, como a legalização do divórcio, em 1977. “As passeatas eram muito felizes, havia um sentimento do ‘Vai Passar’ que o Chico (Buarque) cantava, um começar de um abrir as asas”, conta a psicanalista Maria Rita Kehl, que atuou em movimentos de contestação e resistência ao regime militar no período. Quem foi jovem naquela época diz que nunca houve tempo tão divertido. Quem não viveu (como a maior parte do elenco de “Boogie Oogie”) olha com encantamento para ela e constata que algo muito interessante aconteceu lá atrás.

IEpag84e85Decada70-2.jpg

Colaborou Eliane Lobato
Fotos: João Cotta/Globo; ABC/Retna Ltd.; Divulgação; Harry Langdon/Getty Images