Escrito na forma de um longo e fragmentado monólogo interior, o romance Extinção (Companhia das Letras, 476 págs., R$ 35) costuma ser citado como o magnum opus do austríaco Thomas Bernhard, escritor que vem sendo regularmente publicado no Brasil desde sua morte, há 11 anos. Mas seguramente não é sua obra mais palatável. É preciso fôlego para atravessar as quase 500 páginas, com pouquíssimos parágrafos, de um texto irado e em geral depressivo. O narrador é Franz-Josef Murau, intelectual arredio, ovelha negra de uma família de ricos proprietários de terras em Wolfsegg, no interior da Áustria. Ele conta sua trajetória – ou melhor, vomita suas divagações e reflexões sobre o papel – desde seu exílio em Roma. É lá que Murau recebe um telegrama anunciando a morte dos pais e do irmão mais velho num acidente automobilístico, o que desencadeia um acerto de contas simbólico com seu passado.

A exemplo de toda literatura de língua alemã desde a Segunda Guerra, Extinção carrega dentro de si um impulso de expiação da culpa em relação ao triste papel dos alemães e austríacos na ascensão do nazismo. O mérito maior de Bernhard é entrelaçar esse trauma histórico coletivo com as neuroses e ressentimentos de Murau em relação à sua própria natureza e ao seu histórico familiar. Como nos romances curtos O sobrinho de Wittgenstein e O náufrago, em Extinção, Bernhard demonstra ser possuidor de um real talento literário. Nem por isso a narrativa consegue escapar da armadilha criada por sua própria estrutura, deliberadamente fragmentada e vacilante, espelhando o fluxo dos pensamentos de Murau. O leitor não interessado no melancólico balanço existencial do protagonista – ou que fizer questão de entretenimento – corre o risco de cair no sono em meio a uma das intermináveis sentenças do livro, o que demonstra que um autor pode ser, ao mesmo tempo, genial e chato.