22/05/2000 - 10:00
Está lá, num site da Web: “Nosso objetivo é facilitar ao máximo para que você volte e compre de novo. Cigarros afrodisíacos que dão onda, maconha, ácido, estimulantes psicodélicos, ecstasy, concentrado de ervas que aumentam a percepção mental, LSD natural, cogumelos. Basta clicar no item how many. Expedimos pacotes pelo correio. Somente nós e você saberemos o que há dentro. Será nosso pequeno segredo.” O comércio eletrônico transformou-se numa ferramenta tão cômoda que é possível adquirir entorpecentes pela rede sem se mover da poltrona. O maravilhoso e democrático mundo virtual – acessado por 196 milhões de internautas – virou o paraíso das drogas. O Setor de Investigação de Crimes de Alta Tecnologia (Sicat) da Polícia Civil de São Paulo, especializado em infrações virtuais, recebeu denúncias anônimas de pais que tinham flagrado os filhos comprando drogas pela Internet. Outros haviam acessado os sites por acaso e se diziam chocados. Chefe do Sicat, o delegado Mauro Marcelo de Lima e Silva fez um rastreamento na rede e descobriu pelo menos 12 desses endereços. “Tem até receita para fazer cocaína caseira”, conta. Para experimentar a eficiência do tráfico virtual, o delegado, munido de autorização judicial, fez seis encomendas e, em três dias, recebeu duas – um pacote tipo Mentex de pastilhas de maconha do Texas, por US$ 20, e maconha de Amsterdã, vendida ao preço mínimo de US$ 10 por três gramas. O material está sendo analisado em laboratório. “Os sites não são brasileiros e não podemos reprimir a venda. Mas quem encomenda, mesmo para uso particular, está praticando crime”, alerta. Sob supervisão do delegado, ISTOÉ também pediu um mix de drogas a um site americano que vende de haxixe a sementes de maconha. O kit chegou em cinco dias com três saquinhos de ervas de 20 gramas cada um, um maço de cigarros denominados “espirituais” e um fumo prensado semelhante ao haxixe. Os rótulos citam ingredientes como opium de alface, camomila, artemísia e hortelã (leia quadro). No site está escrito que, apesar de parecerem inofensivas, essas substâncias provocam efeitos semelhantes aos do ópio, da maconha e do haxixe. Os tóxicos lembram um chá qualquer e seu cheiro pouco tem a ver com as drogas originais. Para o psiquiatra paulista Ronaldo Laranjeira, é bem provável que o material de fato não seja maconha ou haxixe. Mas outra substância com os mesmos efeitos psicoativos e sem o THC (o princípio ativo da maconha) que caracteriza essas drogas ilícitas. “Chamamos esses entorpecentes de ‘design drugs’. Eles se parecem com as drogas conhecidas, mas não são e acabam vendidas”, informa Laranjeira. Verdadeiras ou não, sua comercialização caracterizaria crime. No mínimo, de estelionato, já que os sites enganam o consumidor. “A idéia é fazer um trabalho em parceria com a Polícia e a Receita Federal para interceptar as encomendas pelo correio. Quem sabe, dotando-os de aparelhos de raio X que possam revelar o conteúdo da correspondência”, diz o delegado. Legal – A maioria das homepages é da Holanda, onde o comércio é liberado, ou de Estados nos Estados Unidos, do Canadá e da Austrália, onde é legal o consumo em pequenas proporções. Basta fazer a encomenda por e-mail e dar o número do cartão de crédito. Uma homepage do Havaí vende todo tipo de planta alucinógena, inclusive a ayahuasca usada pelo Santo Daime. Há também lojas inteligentes (smartstores) que chegam a vender 11 tipos de ecstasy, com compostos à base de cogumelos e ervas. Um site da Califórnia, visitado diariamente por três mil usuários, vende cigarros para deixar stoned (doidão), como o Black Death, que mistura cannabis, outras ervas potentes, óleo e resina, e custa apenas US$ 1. “É denso como maconha e próximo do haxixe”, diz a “bula”. Muitos vendedores oferecem compostos não catalogados como drogas, mas com efeitos psicotrópicos, driblando a lei. As mercadorias podem ter sido fabricadas em laboratórios de fundo de quintal e nada garante a qualidade do produto. Para o consumo do Ecstasy, que faz a festa dos clubbers, compra-se um kit com duas substâncias químicas – não classificadas como ilegais – que devem ser misturadas. Uma colher de chá do composto é vendida a US$ 5. Há ainda uma infinidade de sites para quem almeja limpar o organismo às vésperas de um exame antidoping. Numa ligação feita da ISTOÉ, o atendente Rich discorreu sobre as vantagens de um kit com pílulas e líquidos à base de enzimas que aceleram o metabolismo e deixam o corpo livre de maconha em até cinco dias. O tratamento pode sair até por US$ 100. O que torna o trabalho da polícia mais difícil é que a compra de drogas também tem acontecido com frequência na sub-Web, ou seja, nas salas de bate-papo. Foi num chat com o nickname de Erva Venenosa que o estudante carioca M.B., 17 anos, conseguiu um punhado de baseados. “Nas salas de bate-papo, sempre alguém oferece coisas como ácido ou LSD”, diz M.B. Ele começou a fumar maconha aos 13 anos e está sob tratamento para dependência química. Uma homepage de policiais americanos avisa que a maioria dos vendedores são jovens de classe média entre 18 e 26 anos. Celular – A compra de drogas online não chega a surpreender o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, fundador do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes da Escola Paulista de Medicina. “Tenho pacientes que usam o serviço de entrega de cocaína pelo celular. A droga é entregue em casa. Não iria demorar para que o computador entrasse nessa.” De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 25% dos jovens de todo o mundo já fizeram uso de drogas ilícitas. “Há uma ênfase em nossa cultura pela procura do prazer instantâneo. Não é de estranhar que jovens vulneráveis entrem nessa”, diz Dartiu. O delegado Mauro Marcelo acha que os pais devem ficar alertas. Ele aconselha que eles naveguem junto com os filhos ou utilizem programas que impeçam o acesso a determinados sites. “Basta selecionar as palavras que você não quer que apareçam”, diz ele. Um dos coordenadores do Centro Brasileiro de Informações, Drogas e Psicotrópicos (Cebrid), o psiquiatra José Carlos Galdurós, alerta que a repressão é a pior arma para lidar com o problema. “Ninguém gosta de ser reprimido. O pai vira um policial e o filho acaba se afastando. O controle tem de ser feito na oferta”, aconselha. De qualquer maneira, o comércio virtual de drogas é uma realidade nova para as autoridades. “O governo precisa pensar em mecanismos de controle da Internet e tentar ser mais rápido que ela”, afirma a presidente do Conselho Estadual de Entorpecentes de Brasília, Cândida Rosilda de Melo Oliveira. Enquanto isso não acontece, o passaporte para uma viagem alucinante está ao alcance do mouse.
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