Os moradores de Congonhas do Campo, na histórica Minas Gerais, venceram mais uma batalha. A inauguração do projeto de iluminação, segurança e paisagismo do Santuário de Bom Jesus do Matosinho – onde se encontram os 12 profetas e outras 66 figuras esculpidas por Aleijadinho e seus discípulos – deve servir para apagar de vez a triste idéia de substituir os originais do mestre do barroco brasileiro por réplicas. Espalhadas pelo pátio e por seis passos (pequenas capelas), as esculturas do final do século XVIII sofrem com a ação do tempo – mas nem isso convence os orgulhosos congonhenses a cogitar da hipótese de transferi-las de seu lugar de origem para um ambiente mais seguro. “As pessoas nem gostam de ouvir falar nessa história de museu”, diz o secretário municipal de Cultura, Lúcio Coimbra. “Desde pequeno, a gente aprende a importância do santuário para Congonhas. Por isso, quem quiser levantar uma polêmica, basta falar em mexer com obras de Aleijadinho.”

E põe polêmica nisso. A economista Juliana Corrêa da Silva, coordenadora do projeto de recuperação da área do santuário – bancado pela Fundação CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) a um custo de R$ 300 mil –, precisou de muita paciência para convencer os moradores de Congonhas do Campo da necessidade de uma intervenção urgente no local. Conversa vai, conversa vem, foi possível até recuperar um desenho original do paisagista Burle Marx, da década de 60, que previa o plantio de palmeiras e ipês nos acessos à igreja e aos passos. Os técnicos do Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA) também acompanharam minuciosamente o trabalho. No fim das contas, só não concordaram com um detalhe. “Queríamos pôr bancos para os visitantes descansarem, mas não foi possível. O pessoal do patrimônio é extremamente rigoroso. E os moradores daqui são muito ligados ao trabalho de Aleijadinho. Eles ficam desconfiados quando a gente chega sugerindo mudanças”, afirma Juliana.

Desconfianças à parte, o trabalho patrocinado pela CSN vai dar novo brilho ao conjunto excepcional criado por Aleijadinho, tombado pela Unesco em 1985. O iluminador Peter Gasper foi buscar na Espanha refletores capazes de permitir a visão noturna dos profetas e das figuras dos passos (que reproduzem seis cenas da via-crúcis), mas sem criar um contraste violento com a paisagem bucólica das montanhas de Minas. “A iluminação não pode competir com a obra de Aleijadinho. Ela valoriza o estilo do artista, mas sem interferir nas cores e na concepção original”, explica Gasper. Ele optou por luzes de vapor metálico, mais suaves do que as de vapor de sódio normalmente usadas na iluminação de monumentos. Também criou um sistema capaz de fazer com que a cruz do Santuário e os sinos tenham sempre seus contornos desenhados por lâmpadas. Nos passos, o trabalho é ainda mais delicado: cada figura tem um foco fechado no rosto e outro para o corpo. Tudo para criar um jogo de sombras tipicamente barroco.

Com um olho atento em cada pedrinha do calçamento pé-de-moleque do piso do santuário, os moradores de Congonhas do Campo acreditam que a iluminação significará aumento do número de turistas que visitam a cidade. Em média, 50 mil brasileiros e estrangeiros se deslumbram com o trabalho de Aleijadinho a cada ano. O sucesso da nova iluminação só fez aumentar a expectativa pelo resultado da restauração do teto da basílica, realizada por técnicos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que deve ser concluída neste ano.

Cirurgia – Os 12 profetas (Abdias, Amos, Baruc, Daniel, Ezequiel, Habacuc, Isaías, Jeremias, Joel, Jonas, Naum e Oséias) também vão passar por uma cirurgia: graças a um convênio com o governo alemão, técnicos do IEPHA e do IPHAN encontraram um tratamento para evitar que fungos continuem destruindo a pedra-sabão. O que já foi perdido não pode ser recuperado, mas há uma chance de evitar que, lentamente, o tempo prossiga com sua arte. A arquiteta Deise Cavalcanti Lustosa, diretora de conservação e restauração do IEPHA, explica que a intervenção poderá ser feita com as estátuas no pátio da igreja. Vamos aplicar um fungicida especialmente desenvolvido para a pedra-sabão. Com isso, as obras estarão mais preparadas para ficar ao ar livre e terão vida mais longa.” Os congonhenses agradecem.