A luta contra o câncer entrará em uma nova fase. A tendência é o desenvolvimento de tratamentos individualizados, com remédios específicos para cada tipo da doença e até mesmo de acordo com cada paciente. Será a criação das chamadas drogas inteligentes. A discussão sobre esse gênero de medicamentos foi um dos destaques do encontro realizado na semana passada pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica, nos Estados Unidos. “A meta é aproveitar as informações derivadas da sequência do genoma humano para desenvolver terapias mais específicas e menos agressivas. Criaremos estratégias de combate baseadas na sequência genética de cada um”, afirma a oncologista Judy Garber, da Universidade de Harvard, dos EUA.

Pelo menos um novo remédio já foi desenvolvido na esteira do conhecimento genético que se obteve sobre o câncer. Trata-se do Glivec, criado pelo laboratório Novartis. A droga é indicada para o combate da leucemia mielóide crônica (LMC), um tipo de leucemia (câncer nas células sanguíneas) com alta taxa de mortalidade. Descobriu-se que a doença é causada por um defeito genético. Ele resulta na produção de uma proteína que determina a proliferação desordenada dos glóbulos brancos (células do sistema de defesa do corpo, presentes no sangue), o que caracteriza o tumor. O Glivec inibe a ação dessa proteína, interrompendo, dessa forma, a engrenagem que leva ao crescimento do câncer.

Os testes com o novo remédio vêm sendo feitos em cerca de 1,2 mil pacientes, em 36 centros de pesquisa do mundo. No Brasil, cinco instituições participam dos estudos, agregando um total de 140 pacientes. Os resultados obtidos até agora são animadores: quase 100% dos doentes tiveram melhora expressiva no controle da doença. “O Glivec é um marco. Antes, os tratamentos sanavam o problema, mas atingiam também outras células. Agora, temos uma ação pontual, com resultados excelentes”, afirma Carlos Chiattone, professor de hematologia da Santa Casa de São Paulo, um dos centros envolvidos nos testes brasileiros. Apesar do entusiasmo, o médico também é cauteloso. “Ainda é preciso mais tempo para sabermos melhor o seu desempenho”, diz.

Controle – Quem participa dos testes está satisfeito. Há dois anos, a dona-de-casa Marilena Paolluci, 55 anos, soube que estava com LMC. Começou o tratamento com a quimioterapia convencional, mas piorou. Ela soube dos testes com o Glivec e entrou como voluntária em um centro na Itália. “Depois de um mês que comecei a tomar o remédio, estava melhor. Hoje meu cabelo cresceu de novo, estou disposta. Uma pessoa normal”, comemora. Marilena, que no início da doença ouviu do médico que teria apenas seis meses de vida, está com o câncer controlado.

O sucesso do remédio no tratamento da LMC levou os pesquisadores a investigar sua eficácia também em tumores sólidos. Os melhores resultados foram obtidos em pacientes com câncer gastrointestinal avançado. Na Universidade de Saúde e Ciências de Oregon, dos Estados Unidos, observou-se 89% de melhora em pacientes tratados com a droga. Por causa de desempenho tão animador, o Glivec foi aprovado pelo FDA – órgão americano responsável pela liberação de medicamentos – em tempo recorde. No Brasil, aguarda-se a sua liberação para breve.

Outras novas terapias, ainda em testes, também prometem abrir portas importantes. Uma delas é a droga IMC-C225, testada em doentes com câncer colo-retal. Ela se mostrou capaz de bloquear a comunicação entre as células doentes, interrompendo o desenvolvimento do tumor. As vacinas também foram destaque no congresso. Duas pesquisas apresentadas demonstraram a eficácia do uso das próprias células tumorais para combater a doença. Uma delas, testada no Centro Médico de Stanfort, na Califórnia, mostrou bons resultados contra o câncer colo-retal. Em testes clínicos, a vacina aumentou o número de células responsáveis pelo aviso ao sistema de defesa sobre a presença de células doentes. “O organismo ficou mais alerta”, explica Lawrence Fong, oncologista do Centro. A outra vacina, chamada de GVAX e estudada em Dallas, é personalizada. Ou seja, cada paciente forneceu a matéria-prima para a confecção de sua vacina. Os testes sobre sua eficácia estão em andamento.

 

Colaboraram: Cilene Pereira e Celina Côrtes
Produção: Lívia Mund; Maquiagem: J. R. O. Santos; Modelo: Flávio Crisi (Ag. Persone Model’s)