Um dos problemas mais graves do ensino brasileiro é a elevada evasão no nível superior. Inexperiência, falta de informação e desconhecimento da própria personalidade levam milhares de jovens a deixar a faculdade todos os anos. Em alguns cursos, o abandono chega a 40%. O prejuízo é geral. O aluno que deixa o curso perdeu tempo e dinheiro. Quem ocupar o lugar poderia estar estudando há mais tempo. Nos casos em que a vaga é pública, a situação é ainda pior – no final, o contribuinte paga a conta. Um dos principais recursos para diminuir a evasão é a orientação vocacional, um conjunto de técnicas criado para ajudar as pessoas a escolher uma profissão ou curso superior com margem reduzida de erro. Nesta entrevista a ISTOÉ, o pedagogo Silvio Bock, mestre em orientação vocacional pela Unicamp e coordenador do Nace, um instituto de São Paulo com mais de três mil atendimentos na área, enumera os benefícios que o trabalho pode trazer aos estudantes indecisos. “Escolher uma profissão é, na verdade, definir um projeto de vida”, resume Bock.

ISTOÉ – O que é orientação vocacional?
Silvio Bock – É, antes de tudo, um processo de intervenção. Nele, o profissional da área, psicólogo ou pedagogo, ajuda a pessoa indecisa a reunir informações, a refletir e a tomar a decisão de maneira mais ponderada e segura.

ISTOÉ – Como é feito o trabalho?
Bock – Os processos podem ter uma ou outra etapa diferente, mas a tendência, nos últimos anos, é evitar o teste vocacional tradicional, em que o aluno senta numa cadeira, responde a um questionário e, duas horas depois, recebe uma ou duas opções. O nosso grupo e equipes de universidades importantes como a PUC-SP, a USP, a Unicamp e a UnB não confiam no resultado desses testes. No Nace, realizamos jornadas com 16 participantes, no máximo, durante 30 horas, distribuídas em duas sessões semanais de pouco menos de duas horas cada uma. Nos primeiros encontros, discutimos temas como autoconhecimento e significado da escolha profissional. O aluno é levado a refletir sobre valores familiares, sociais, religiosos e profissionais. Essa fase da jornada ajuda a pensar sobre o futuro, modificar aspectos indesejáveis ou mesmo desenvolver aspectos positivos de sua vida que ainda não tinham sido devidamente trabalhados.

ISTOÉ – A pessoa está pronta para fazer a escolha neste ponto?
Bock – Ainda não. O passo seguinte é oferecer informações sobre várias profissões, entre elas as indicadas no início pelo estudante. Ele deverá estabelecer uma comparação entre o que pensa de cada atividade e o que ela realmente exige. A partir desse ponto, o jovem, na maioria dos casos, caminha naturalmente para uma escolha consciente. Esse trabalho também pode ser feito individualmente. A orientação vocacional é útil para quem está concluindo o ensino médio e também para adultos que pretendem repensar sua escolha profissional.

ISTOÉ – Como evitar a influência excessiva dos pais ou de pessoas mais próximas?
Bock – Se o jovem escolher uma profissão apenas em função de um teste vocacional, da opinião do pai ou da sugestão do professor, provavelmente a decisão será questionável. É fundamental ouvir todas as opiniões para ter mais dados para optar. A decisão é pessoal e nunca deveria ser transferível, o que não significa deixar de ouvir quem admiramos e respeitamos. Os jovens têm se dedicado com maior empenho ao vestibular do que à escolha profissional. Pensam que o resto se resolverá “um dia”. Acreditam que o conhecimento exigido nesse exame é grande e cumulativo, não se deve perder tempo. Infelizmente, essa concepção explica, em parte, a grande evasão nos cursos superiores. No Brasil, ela chega a 40% em alguns cursos. O raciocínio deve ser invertido – a importância a ser dada ao vestibular deve ser consequência das reflexões e da escolha. Afinal, para que serve prestar vestibular sem saber o que se quer? É constrangedor. Acho também que os pais devem opinar neste momento, mas de forma serena, sem imposições. No Nace, percebo que os filhos esperam os conselhos e a opinião dos pais, mas sofrem muito com a pressão exagerada.

ISTOÉ – O sr. acha que um jovem de 16 a 18 anos está preparado para escolher uma profissão para toda a vida?
Bock – Isso só seria verdade se cometermos o crime de dizer para este jovem que a sua decisão nunca mais poderá ser modificada. É evidente que uma das funções da orientação vocacional é fazer com que o aluno identifique claramente seus desejos e, assim, faça a escolha acertada. Mas, numa sociedade minimamente equilibrada, é preciso dar chances para a recuperação. Os caminhos podem ser corrigidos e é ótimo que seja assim. No que diz respeito à idade, a questão é simples: o ideal seria que todos pudessem escolher o caminho profissional com a experiência de quem tem 65 anos, mas aí já é hora de se aposentar. O jovem tem, sim, condições de fazer uma boa opção. Uma coisa é certa: a escolha sempre será algo difícil. Escolher é um ato de coragem. Significa ter de optar por uma entre duas ou mais alternativas atraentes. Costumo dizer que pensar em profissão significa esboçar um projeto de vida.

ISTOÉ – Quando os pais devem buscar orientação vocacional para os filhos?
Bock – O ideal é que todo jovem pudesse passar por uma experiência de orientação, porque se trata de autoconhecimento. Os colégios precisam assumir essa responsabilidade. Mas algumas situações típicas merecem atenção. É bom observar de perto o jovem que diz não gostar de nada ou não estar preparado para nenhuma profissão. Os que justificam a escolha dizendo que querem apenas ganhar dinheiro podem estar iludidos. Há os que sempre sonharam com uma profissão e, meses antes da inscrição no vestibular, passam a dizer algo do tipo: “sei lá, veio uma dúvida…”. E também aqueles que escolhem cedo a profissão da mãe ou do pai porque “já está tudo pronto”. Esses podem ser indícios de que está faltando orientação vocacional.

ISTOÉ – Por que o sr. não acredita no antigo teste vocacional?
Bock – Esse trabalho não é profundo o suficiente para analisar as questões sociais e individuais exploradas nas jornadas vocacionais. Além disso, não creio nessa história de vocação como algo fornecido por Deus ou pela genética. Estava dentro de você e o teste arrancou, numa única sessão. Finalmente, o ponto mais importante: a escolha nessas circunstâncias, entregue ao estudante como um veredicto, retira do jovem a responsabilidade pelos equívocos no decorrer do curso e da caminhada profissional. Isso pode ter consequências desastrosas.