Eles são adversários quase o tempo todo. Mas o aparecimento de um inimigo comum fez com que o governo, através do Ministério do Meio Ambiente, e centenas de organizações não-governamentais (ONGs) da área ambiental formassem uma poderosa aliança para impedir que o Código Florestal brasileiro seja mudado, como pretende o deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR). Relator do projeto de conversão da Medida Provisória 2.080 (Código Florestal), o deputado paranaense pretende ampliar de 20% para 50% a área de desmatamento (corte raso) da Floresta Amazônica. Integrante da bancada ruralista, Micheletto pretende beneficiar pecuaristas e agricultores, que ganhariam uma espécie de carta branca para devastar mais. Esta será a segunda batalha envolvendo o Código Florestal. No ano passado, Micheletto conseguiu aprovar na comissão mista, dominada pelos ruralistas, um texto no qual diminuía de 80% para 50% a área de reserva legal a ser preservada. A pressão das ONGs, do governo e da sociedade conseguiu que o texto aprovado pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) fosse transformado em nova medida provisória no final do ano, deixando encalhado o projeto dos ruralistas.

Micheletto voltou à carga este ano. Fez algumas mudanças no projeto, introduziu uma espécie de prêmio financeiro a quem mantivesse intocada a mata da reserva legal e defendeu a realização de zoneamento ecológico para os Estados da Amazônia. Mas manteve as motosserras de prontidão, ao estabelecer que, enquanto o zoneamento não fosse feito, a área passível de ser totalmente desmatada seria a metade de cada propriedade. “A Amazônia tem nada menos que 162 mil km2 de área desmatada, que foi transformada em pasto e hoje está abandonada. É o equivalente ao Ceará e Alagoas juntos e suficiente para a expansão da agricultura e da pecuária, sem que mais áreas da floresta sejam destruídas”, alerta o diretor do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) no Brasil, Garo Batmanian. O WWF, juntamente com o Instituto Socioambiental (ISA) e o Greenpeace, forma a linha de frente da coordenação das ONGs. Até quarta-feira 16, nada menos que 252 organizações não-governamentais já faziam parte da aliança em defesa da Amazônia. Um aspecto destacado pelos ambientalistas é que a obrigatoriedade de manter-se 80% da floresta como reserva legal não significa que a mata ficará intocada. O que não se pode fazer é o corte raso, para transformação em pastagens ou plantações de soja. O manejo florestal, em que o corte de árvores selecionadas é feito em uma área por ano, e a extração da borracha ou de frutos silvestres são até estimuladas pelo governo e pelas ONGs.

Recorde – A guerra contra a mudança do Código Florestal ganhou reforço na segunda-feira 14, quando a secretária de Coordenação da Amazônia, Mary Alegretti, anunciou os dados do levantamento anual feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) com base em fotos tiradas por satélites. Pela projeção do Inpe, o desmatamento em 2000 chegou a 19.832 km2, crescimento de 14,9% em relação ao ano anterior. Em 1999, o aumento foi de 13,9% em relação a 1998. Desde 1988, quando o Inpe iniciou seu levantamento anual, a área desmatada só superou a projeção do ano passado em outras duas ocasiões: em 1988, quando foram derrubados 21.130 km2 e em 1995, quando o boom econômico do Plano Real levou à devastação de 29.059 km2 de florestas. Assustado, em 1996 o governo mudou o Código Florestal e estabeleceu em 20% da área verde o limite máximo de desmatamento permitido. É esta proporção que o projeto dos ruralistas tenta mudar. No acumulado até 2000, a área totalmente devastada chega a 589.101 km2, o que corresponde a 14,4% dos 4,1 milhões de km2 de floresta original. Três Estados – Pará, Mato Grosso e Rondônia – responderam por 83% do desmatamento. A situação é particularmente grave em 43 municípios desses Estados, onde qualquer autorização para derrubar árvores só será dada depois de provado que as terras devastadas foram utilizadas. O controle será feito mensalmente por intermédio de fotos de satélite.

“Chefe” – As duas cenas, que parecem extraídas dos anos de chumbo, fazem parte do cenário da ditadura carlista na Bahia. Com ousadia suficiente para ocupar o campus de uma universidade pública e atirar em estudantes só para impedir que chegassem às vizinhanças do apartamento vazio do seu chefe político. “A Bahia vive uma ditadura à parte neste país. A democracia não chegou aqui ainda”, lamenta a deputada Alice Portugal (PCdoB). No Tribunal de Justiça, ACM conta com desembargadores que costumam se referir a ele como “chefe”. O Tribunal de Contas do Estado é um estaleiro de políticos carlistas aposentados. Na Assembléia Legislativa, o carlismo ganha de 47 a 21 e impede todas as CPIs. Mas para a oposição ACM é “o Bode” da vez, apelido dado ao ditador Rafael Trujillo, que durante 31 anos dominou com braço de ferro a vida na paupérrima República Dominicana. Como todo ditador, Trujillo caiu. “Só que ACM é um coronel eletrônico”, emenda Jutahy Magalhães Jr., líder do PSDB na Câmara, que na terça-feira 15 enterrou no Cemitério Jardim da Saudade seu avô, o general Juracy Magalhães, 95 anos, curiosamente o homem que foi o mentor político de ACM, mas com quem estava rompido desde 1992. O senador não apareceu, mas todos ali sabiam que em Brasília ACM enfrentava outro tipo de agonia, a política, com os últimos dias de seu mandato. O controle sobre a mídia na Bahia é uma das armas mais poderosas do carlismo. Dono da TV Bahia, retransmissora da Rede Globo, e de suas demais repetidoras no Estado, ACM noticia o que quer, como quer.

As manifestações anticarlistas são cada vez maiores na Bahia, mas têm uma cobertura pífia. O grupo também manipula a seu favor o mais conhecido produto baiano: a música. A maioria dos artistas, grupos e blocos depende de eventos financiados pelo Estado ou pelas empresas de ACM, como a Rede Bahia e a Bahia Discos. Com essa chantagem, ACM conseguiu produzir um manifesto “voluntário” de 14 páginas, publicado no Correio da Bahia, com a rubrica de dezenas de artistas baianos. “Todos têm medo de retaliação se não apoiarem ACM”, conta Nelson Mendes, diretor cultural do Olodum, que não aparece na lista e deve entrar na geladeira do carlismo. “Não vão nos garrotear”, avisa o empresário Silvio Simões, diretor de A Tarde, maior jornal da Bahia, com mais de 90% dos leitores, mas que há dois anos não vê um centímetro de publicidade oficial do Estado ou do município. Rotulado pelo carlismo como “de oposição”, o jornal decidiu entrar na Justiça com uma ação contra o governo baiano. “Antônio Carlos tem os mesmos poderes de um ditador por aqui. Todos os demais se submetem aos seus interesses políticos e pessoais”, aponta o jornalista baiano João Carlos Teixeira Gomes, o Joca, que, na terça-feira 15, sentiu o regime de exceção em que vive seu Estado: teve que lançar seu livro Memórias das trevas, uma biografia sem retoques de ACM, com 60 mil exemplares vendidos, sentado em um banquinho em frente à Livraria Siciliano. Foi proibido de lançar o best seller ali dentro.  

Do lado de fora

Juliana Vilas

O livro Memória das trevas – a essência perversa da opressão, no qual o jornalista baiano João Carlos Teixeira Gomes revela detalhes do passado político de ACM, não pôde ser lançado nas livrarias Siciliano de Salvador. Promover um evento com a presença do autor foi julgado pela Siciliano “uma empreitada arriscada”. Segundo Luiz Ferreira, gerente da livraria do shopping Barra Salvador, “o lançamento poderia causar tumultos e exaltação popular”. Curioso é que a loja, de 400 metros quadrados, costuma promover lançamentos e noites de autógrafos. O gerente afirma que não houve proibição, já que “em Salvador, o livro só está à venda na Siciliano. Nenhuma outra tem.” Ferreira diz que a decisão não foi tomada por pressão, e que “a livraria é estritamente comercial e neutra”. As duas filiais de Salvador vendem em média 16 exemplares do livro por dia. “Vende muito bem” completa.