O vento da liberdade que soprou sobre a Albânia, conhecido como o “país das águias”, acabou trazendo uma fria e dolorosa primavera. Esse é o fio condutor de As frias flores de abril (Objetiva, 174 páginas, R$ 21,90), mais recente romance do albanês Ismail Kadaré. No ano 2000, quase uma década depois de assistir ao colapso daquele que foi o mais fechado dos regimes comunistas da Europa, a Albânia se vê mergulhada no caos e na desilusão. Tal frustração desenterra nostalgias temerárias. “Ele também estava cheio de rancor, profundamente desiludido: o país gangrenava”, descreve um personagem. “A degeneração se espalhava por toda parte. A bravura e o sentido de honra, que achou que recuperariam depois da queda do comunismo, não paravam de perder terreno. A única esperança residia na ressurreição dos antigos costumes.”

E a mais terrível dessas tradições ancestrais é o Kanun (Cânon), versão albanesa da vendetta. Trata-se de um código de leis e rituais de sangue que volta a se manifestar depois de meio século de esquecimento, como uma serpente que desperta após uma longa hibernação. Assim como uma antiga e terrível lenda albanesa que contava a história de uma jovem que foi obrigada a se casar com uma serpente para pagar os pecados de sua família. Esta temática já estava presente em Abril despedaçado (1982), que acaba de ser filmado por Walter Salles. Repleto de metáforas e referências mitológicas, o novo livro é uma narrativa precisa e refinada que descreve “a parte submersa de um iceberg” – a própria condição humana.