Para um brasileiro, a árida paisagem da capa de São Vicente di longe, novo disco da cantora cabo-verdiana Cesaria Evora, é bastante familiar. Lembra o Nordeste, com seu chão de seixos, as cabras passeando diante das pobres construções de alvenaria e a montanha azulada ao fundo. Mais familiar ainda é o tipo de música que a chamada “diva descalça” canta no belo trabalho de 15 faixas. Cesaria é especialista no ritmo conhecido como morna, de andamento lânguido e melancólico, riquíssimo na orquestração de pianos, cordas e cavaquinhos. Filha direta do fado e de ritmos africanos, como o samba toda morna se parece uma com a outra. São Vicente di longe traz várias delas, a exemplo de Tiempo e silencio e a que dá nome ao disco. Mas o ouvinte não se cansa.

Primeiro, porque Cesaria canta com um sentimento raro de poesia, herança curtida da doce alma lusitana. Depois, porque é uma delícia tentar entender o seu dialeto crioulo, cujas contrações lembram as do linguajar caipira. Para estreitar ainda mais o parentesco verde-amarelo com o CD, ela gravou lindamente Negue, conhecida na voz de Maria Bethânia, e convidou Caetano Veloso para cantar com ela Regresso. Ao preservar o patrimônio sonoro de Cabo Verde, país de 400 mil habitantes, Cesaria dá um recado à música brasileira, cada vez mais surda à sua rica tradição.