Civilização com mais de cinco mil anos de história, a Coréia teve neste século sua identidade praticamente sequestrada por grandes potências. Primeiro foi o Japão, que, depois de derrotar a China e a Rússia, anexou a pensínsula em 1910 e a dominou com mão-de-ferro até se render incondicionalmente aos aliados no final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Três anos depois, as tenazes da guerra fria cortariam o país em duas partes: ao Norte, a República Democrática Popular da Coréia, comunista e sustentada pela URSS e pela China; ao Sul, a República da Coréia, capitalista, apoiada por Tio Sam. A Guerra da Coréia (1950-1953), que envolveu os dois países, além dos EUA e da China, provocou a morte de mais de dois milhões de coreanos e consolidou a bipartição da península. Nesta quarta-feira 14, meio século depois do início do conflito, os dois países deram um passo decisivo para pôr fim ao muro invisível construído ao longo dos 250 quilômetros do paralelo 38º, a fronteira mais bem guarnecida do mundo. Numa histórica visita a Pyongyang, capital da Coréia do Norte, o presidente sul-coreano, Kim Dae-jung, e o dirigente norte-coreano, Kim Jong-il, em meio a largos sorrisos regados a champanhe, assinaram um acordo que permite visitas entre as famílias separadas pela guerra, estabelece uma “linha vermelha” entre os dois líderes, cria escritórios de interesses nas duas capitais e dá início a um inédito intercâmbio cultural. Tido até então como recluso, o líder Kim Jong-il surpreendeu a todos esbanjando cortesia e um atilado senso de humor e aceitou o convite para visitar Seul “num futuro próximo”.

Mísseis e tropas – Previsivelmente, o acordo deixou de lado temas delicados, responsáveis pelo impasse nas negociações sobre a reunificação ocorridas nos últimos anos: a retirada do contingente de 37 mil soldados americanos que está estacionado na Coréia do Sul desde o final da guerra – exigência de Pyongyang –, e a extinção do programa nuclear e de mísseis norte-coreanos – reivindicação de Seul. Segundo os assessores do presidente Kim Dae-jung, o cronograma de reunificação previsto pelo governo sul-coreano prevê três fases. Na primeira, as duas Coréias formariam uma confederação, com os dois Estados mantendo a soberania. Num segundo momento, seria formada uma federação com um único Estado e dois governos autônomos. Finalmente, a unificação completa – coisa que todos os analistas concordam ser uma tarefa para muitos anos. Mesmo assim, o otimismo com a cúpula contagiou até a arredia liderança comunista do Norte. “A História nos dá oportunidades apenas uma vez. A reunificação não é uma tarefa para o futuro, mas para o presente”, pontificou Kim Young Nam, o número 2 da nomenklatura norte-coreana.

Preço alto – Para o ultrafechado regime de Pyongyang – considerado o último bastião stalinista quimicamente puro do mundo –, o acordo com Seul significará, além de uma substancial ajuda econômica, a possibilidade de futuros investimentos e de incremento do comércio, fatores que poderiam evitar o colapso de uma economia que está em estado de calamidade. Nos últimos cinco anos, grandes inundações e a seca agravaram a crônica escassez de alimentos e provocaram a morte de cerca de três milhões de norte-coreanos. Para Seul, o principal benefício do estreitamento de laços com o Norte seria a redução dos riscos que os investidores internacionais atribuem à península. Mas, como lembrou Lee Taesup, especialista do Instituto de Pesquisa Hyundai de Seul, “custará muito dinheiro fazer negócios no Norte.” Por isso, o problema agora é saber se os sul-coreanos concordarão em pagar o alto preço da futura reunificação.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias