Uma economia com desemprego elevado há muitos anos, sem inflação à vista e com suas contas públicas ajustadas teria toda condição de apostar suas fichas em um crescimento vigoroso. Ao menos é o que dizem os manuais de economia – e o que parecia ser a estratégia dos 11 países que decidiram formar a União Européia, uma potência dona de 16% da riqueza mundial, atrás apenas dos americanos, com 21% desse bolo. Parecia, até meados do ano passado. A essa altura o euro desvalorizado se encaixava perfeitamente na política econômica expansionista do bloco, favorecendo as exportações dos países-membros. De lá para cá, o Banco Central Europeu (BCE), responsável pela monitoração da moeda única, o euro, mudou de postura. Decidiu mais que dobrar a taxa de juros, de 2% para 4,25% ao ano, e assim colocar um freio considerável na economia da região.

A decisão do BCE serviu também para jogar água fria no ânimo de quem imaginava que a Europa integrada – Alemanha e França à frente – já estaria pronta para tomar o lugar dos Estados Unidos como locomotiva da economia mundial. É verdade que o BCE aumentou os juros como reação à decisão do Banco Central americano de elevar as suas taxas. A lógica por trás da decisão dos europeus é a seguinte: o juro maior nos EUA irá atrair mais dinheiro do mercado financeiro internacional para a economia americana, tirando parte do capital hoje investido na Europa.

Para minimizar esse movimento, o BCE também subiu seus juros. A diferença fundamental é que nos Estados Unidos o desemprego anda baixíssimo, próximo de 4%, o menor nível em décadas. E o desemprego baixo pode fazer os salários subirem – raciocina o Banco Central americano –, puxando consigo a inflação.
Daí a razão de aumentar os juros, visando uma redução gradual do ritmo de atividade e, como consequência, do nível de emprego. Já nos países do euro a situação é bem diversa. Apesar do desemprego ter recuado um pouco no ano passado, a taxa ainda é de 9,4% em média, com alguns países, como a Espanha, chegando perto de 15%. “Na União Européia, não existe por ora nenhuma pressão inflacionária. A previsão para este ano é de apenas 1,6% de inflação. Por esse lado, eles não precisavam aumentar suas taxas. O problema é que o BCE é possuído por uma verdadeira obsessão antiinflacionária”, avalia o economista Reinaldo Gonçalves, professor-titular de Economia Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O resultado imediato da alta dos juros foi a revisão da estimativa de crescimento da região para este ano, de 3,5% para 3%. Para 2001, estima-se um crescimento de apenas 2,2%, diz Gonçalves, abaixo da média histórica de 2,5% ao ano, mantida nos últimos 25 anos e insuficiente para gerar os empregos necessários. O professor da UFRJ acredita que os países da União Européia entraram em uma armadilha com as regras fixadas pelo Acordo de Maastricht. O acordo fixou limites para os indicadores econômicos dos países candidatos a entrar no bloco. Inclui, por exemplo, um teto para o nível de endividamento dos governos nacionais, para o tamanho do déficit público em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e a taxa de inflação. A armadilha mencionada por Gonçalves é uma referência a esses limites, que excluiriam, por exemplo, a possibilidade de os governos locais aumentarem seu nível de endividamento ou mesmo deixar que a inflação suba um pouco, como contrapartida de um ritmo mais acelerado de crescimento. “Diante dessa situação, um dos cenários possíveis seria a reversão da própria integração, já que os governos terão dificuldades para enfrentar a tensão social decorrente do crescimento mais lento”, diz.

Entre na polêmica

Os economistas Luiz Carlos Prado, Otaviano Canuto, Reinaldo Gonçalves e Renato Baumann tr ataram de conceitos básicos ligados à economia internacional e da inserção do Brasil em A Nova Economia Internacional – Uma Perspectiva Brasileira (Editora Campus, 408 págs.).

O objetivo foi atingir o leitor iniciante. Para quem quer ir fundo no tema (e lê inglês), The Global Gamble (Editora Verso, 320 págs.) é ótima opção. Escrito por Peter Gowan, da University
of North London, discute as transformações monetária e financeira ocorridas no pós-guerra. E o nascimento do euro como uma solução européia para enfrentar a supremacia do dólar.

Processo – Os “eurocéticos” mais radicais dão como certo esse movimento de, num primeiro momento, haver uma paralisia no processo de integração, a qual, mais tarde, levaria alguns membros a preferir deixar o bloco. A Inglaterra e a Dinamarca, por sinal, preferiram desde o início ficar fora do processo.
O economista Celso Furtado, vivendo em Paris há alguns anos, não se inclui entre eles. “Eu vivo lá e vejo que a Europa da integração passa por uma das fases mais dinâmicas desde a Segunda Guerra Mundial. É algo permanente”, disse o economista a ISTOÉ, semana passada, depois de participar do seminário Novos Paradigmas de Desenvolvimento, ocorrido na USP. Furtado considera que a União Européia jogará um papel cada vez mais importante na geopolítica internacional. “A Europa integrada representa uma alavanca de dinamismo para a economia mundial, com benefícios inclusive para a economia brasileira”, afirmou. Mas ele fez uma ressalva importante: “O problema para o Brasil pode vir da agricultura, já que países europeus menos desenvolvidos candidatam-se a ganhar parte do mercado dos exportadores brasileiros, como membros do bloco”, prevê Furtado. A Europa é um dos maiores compradores de produtos agrícolas brasileiros.

Batalha – A mesma linha otimista é seguida pelo sociólogo italiano Arnaldo Bagnasco, professor da Universidade de Turim, que também participou do seminário. “Para a Itália, a integração é um processo com mais benefícios que malefícios, principalmente se pensarmos no longo prazo. Significa uma nova fase no desenvolvimento. É verdade que hoje o euro está desvalorizado, mas isso é momentâneo”, diz o professor. Bagnasco considera ainda que as restrições impostas por Maastricht são positivas, ao menos no caso italiano, já que representariam uma melhor organização das finanças do país. Consenso entre os especialistas só há em um ponto: o desemprego na Europa é o problema central a ser enfrentado. E os resultados dessa batalha só começarão a aparecer, na melhor das hipóteses, dentro de vários anos.