Foram 296 dias na estrada. Desenhar no solo brasileiro um trajeto de 58 mil quilômetros não é tarefa fácil, ainda mais quando o roteiro inclui regiões tão diversas e perigosas quanto a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, ou a selva amazônica. Corajosas como poucas, Flavia Renault, 28 anos, Leca Peixoto, 27, e Mariana Pimenta, 25, mergulharam em uma empreitada de causar inveja em muito caminhoneiro. Entraram em um carro no final de 1996 e só voltaram para casa dez meses depois, com 13 mil fotos na bagagem e muita história para contar. Agora, passados dois anos e meio do término da viagem, as jovens sentem a realização de verem seu diário de bordo adotado no primeiro ano do ensino médio dos colégios Sion e Horizonte, ambos em São Paulo, e acabam de lançar seu livro de fotografias, que está disponível nas livrarias. Publicadas com o título Projeto Contornos – três mulheres pelas fronteiras do Brasil, as obras oferecem o panorama do País apreendido pelo olhar curioso e sensível das garotas. “Éramos três meninas tipicamente urbanas e, de repente, estávamos no meio de um tiroteio no polígono da maconha, em Pernambuco”, conta Flavia, estudante de Artes Plásticas.
Quando surgiu a idéia da viagem, no meio de um bate-papo informal, nenhuma delas imaginava que os preparativos para a expedição exigiriam mais de um ano de gestação e abarcariam um investimento tão grande. Foram gastos US$ 230 mil, entre carro, uniformes do projeto, noites de hotel, equipamentos e alimentação. Tudo patrocinado. Hoje, as três expedicionárias preparam a próxima aventura – contornar Portugal no final do ano – e ministram palestras sobre a experiência, insistindo em temas como planejamento e metodologia. “Contratamos até um médico, que nos recomendou uma bateria de vacinas e nos acompanhou a distância durante a viagem”, conta Flávia. A importância dessa organização pôde ser confirmada em momentos críticos. Mariana ficou com dengue em Olinda e Flavia, no Piauí.

Uma das conclusões resultantes do percurso foi que o Brasil é dominado pelo machismo. Ao chegar a uma nova cidade, as moças eram olhadas com desconfiança, particularmente pelos homens, prontos a tachá-las de prostitutas ou “sapatões”.
Mas nada disso desanimou. Após comer sarapatel no café da manhã em Pernambuco e participar de um ritual do Santo Daime no Acre, Flavia chega a outra conclusão: a miséria em São Paulo é muito maior. “A fome na cidade grande é mais cruel porque é potencializada pela diferença social. O menino morre de fome, mas vê todo dia um BMW passando na sua frente. No Nordeste, o sertanejo não está colhendo, mas tem sua casa e sua terrinha.”