Todos tentam a seu modo explicar as causas da violência. Nos sermões dominicais, os padres pregam a solidariedade e apontam a criminalidade como resultado da exclusão. Para uns, ela é fruto de um sistema cruel que privilegia a minoria em detrimento da maioria. Para outros, o crime e a violência não resultam do meio, mas sim da índole de cada um, independentemente da classe social. A questão é polêmica e varia dependendo da ótica de quem responde. ISTOÉ foi ao Presídio Central de Porto Alegre, à Casa de Detenção em São Paulo e à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, presídio de segurança máxima, para saber dos próprios presos o que eles pensam sobre o crime e qual a sua receita para acabar com a criminalidade.
Valmir Benini Pires é o líder do Presídio Central de Porto Alegre. Condenado a 12 anos por assalto, começou roubando carros aos 14. Antes disso, trabalhou entregando material de construção. “O salário ajudava no orçamento, mas não dava para cobrir as despesas.” Ele atribui sua entrada no crime à falta idos.de oportunidades. “A vontade de ter dinheiro e coisas boas me impulsionava para o crime.” De ladrão de carros, passou a roubar casas comerciais. Segundo ele, “o assaltante só usa de violência quando a vítima reage.” Sua receita para acabar com a criminalidade: “Emprego com salário digno e escola para as crianças. Todo pai quer presentear o filho no dia do aniversário e fazer festa com a família quando chega o Natal.” De acordo com ele, uma política de recolocação profissional para os que saem da prisão poderá baixar os índices da violência.

Máquina mortífera – “Cadeia é um campo de concentração, onde eu vivo sozinho e isolado.” A frase é de Pedro Rodrigues Filho, mais conhecido como Pedrinho Matador. Aos 14 anos ele matou o vice-prefeito de Alfenas, Minas Gerais, por ter demitido seu pai, um guarda escolar, na época acusado de roubar merenda escolar. De lá para cá, Pedrinho cometeu quase 100 assassinatos, dos quais 47 dentro da cadeia. Ele já cumpriu 27 anos de prisão, 17 deles no Anexo da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté. Para explicar as razões da criminalidade, é curto e grosso: “Ninguém aguenta ouvir a barriga do filho roncando de fome.” Para ele, os próprios governantes fazem o marginal. Em vez de penitenciária deviam fazer mais creches, hospitais e colégios voltados para as comunidades carentes. “A elite é um poço de egoísmo. Os ricos olham os pobres com desdém e os presos como se todos fossem o maníaco do parque (Francisco Pereira, motoboy que matou nove mulheres).” Para Pedrinho Matador, “a sociedade em vez de ajudar empurra o preso para o abismo. O bandido sai pior do que entrou. Depois ficam chorando, reclamando da vida, quando ele barbariza. Não percebe que o resultado não podia ser outro.” Para ele, os bons resultados só dependem de investimento junto aos menores carentes. Ele faz questão de falar da corrupção policial: “Os falsos policiais se escondem atrás da farda para fazer patifarias. Se dependesse de mim, eu fuzilava todos.” Pedrinho defende a implantação de colônias agrícolas para condenados a penas longas. “Em vez de deixar o preso durante 20 ou 30 anos, mais eficiente seria mantê-lo trabalhando para o seu sustento e o da sua própria família. Saía até mais barato para o Estado.”

Foto: Hélio Nagamine
“O crime nunca vai acabar, porque o País não combate a fome e a miséria”
Antoniel Mendes, da Casa de Detenção de São Paulo

Antoniel Soares Mendes, 30 anos, estudou até o segundo colegial e queria ser advogado. Mas, em 1997, roubou um carro, foi preso e condenado a seis anos de prisão. Pelo carro, receberia R$ 800. Há dois anos na Casa de Detenção, Antoniel diz que praticou o crime num momento de fraqueza. “Um carro não ia me deixar rico, não ia tirar minha família da favela, nem da miséria, mas pela quantia que eu ia pegar dava para fazer a compra do mês e comprar material escolar para as minhas filhas.” Hoje, Antoniel faz parte do grupo de rap Conexão Carandiru 100% Realidade. Para ele “o crime nunca vai acabar, porque o País não combate a fome e a miséria” e justifica: “Quem precisa sobreviver não pensa. Só quando fica atrás das grades é que percebe a burrada que fez.” Ele acredita que a construção de praças de esportes para as populações carentes pode diminuir a criminalidade. Outra maneira seria “dar ao preso o que lhe é de direito, os seus benefícios legais e a oportunidade de ressocialização. A sociedade olha para as cadeias como se estivesse olhando para o zoológico”.

A rota de Frankfurt – O italiano Vicenzo Parisi, 42 anos, veio passar três semanas de férias no Brasil em 1997 e até hoje não voltou para Frankfurt, onde deixou mulher e cinco filhos. Na rua Xavier de Toledo, centro de São Paulo, ele conheceu um nigeriano com quem acertou servir de mula num transporte de drogas para a Alemanha. A polícia chegou antes do embarque. Vicenzo foi preso e condenado a quatro anos de prisão por tráfico. Ex-cozinheiro, dono de restaurante e cantor em Frankfurt, Vicenzo garante que essa foi a primeira e última vez em que foi para a cadeia. “A prisão é uma experiência positiva. Aqui se aprende a sofrer e a valorizar a liberdade.” Na sua opinião, o tratamento humilhante também colabora para o aumento da criminalidade assim como a falta de trabalho na rua e dentro dos presídios. “Eu não pensava que cadeia fosse tão ruim. Somos tratados como animais”, disse. Na prisão, ele é mais um cantor e compositor do Conexão Carandiru.

O desembargador Celso Luiz Limongi, da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, já perdeu a conta de quantas pessoas condenou. Há 31 anos na magistratura, Limongi afirma que hoje se preocupa quando tem de mandar alguém para a cadeia. “Eu não afago os réus, mas às vezes me sinto causador de um mal e de um sofrimento que não estão previstos na lei. O preso sofre mais do que a lei determina. Onde não há espaço para dormir, como mandar alguém para a cadeia?” Para o desembargador, que se tornou juiz aos 27 anos, “o sistema penitenciário atual é uma verdadeira escola do crime”. E explica: “A deficiência do sistema, a desumanidade e a insensibilidade com que os presos são tratados criam um sentimento de ódio e revolta e o fazem credor da sociedade. Quando eles saem vingam-se e cobram seu crédito.” Celso Limongi já visitou inúmeras vezes os estabelecimentos penais e saiu muito mal impressionado. “Os distritos são verdadeiras caldeiras do diabo. Quem vir o que se passa num presídio fica muito temeroso em mandar alguém cumprir pena num lugar desses.”

Foto: Edu Lopes
“A elite é egoísta. Vê o pobre com desdém e os presos como o maníaco do parque”
Pedrinho Matador, acusado de matar quase 100

“O crime resulta de uma série de fatores sociais e não será o Direito Penal nem a imposição de pena cada vez mais rigorosa que irá dissuadir alguém de praticar um delito.” Limongi defende a prestação de serviços como uma boa modalidade de cumprimento de pena e faz questão de dizer que o juiz não deve ser um escravo da lei. “O juiz tem de contornar os exageros da lei e fazer justiça tendo em vista a Constituição.” Ao legislador às vezes falta coerência, disse. Ele cita, por exemplo, a adulteração de medicamentos e cosméticos, elevada à categoria de crimes hediondos: “A falsificação de um simples esmalte de unhas é crime hediondo. É muito exagero.” O desembargador vai além: “Com isso, o legislador passa a impressão de que está editando leis que solucionam o problema da criminalidade, mas isso é mera demagogia, um faz-de-conta.”