Para quem gosta de futebol, os 5 a 1 de Holanda x Espanha, os 2 a 1 de Itália x Inglaterra, os 4 a 0 de Alemanha e Portugal e o gol de Messi contra o Irã já valeram a Copa. Esses foram jogos espetaculares e inesquecíveis, cheios de estilo, drama e acaso, com direito às cintilações do imaginário global, numa espécie de encenação olímpica do “concerto das nações”.

Até agora a Copa tem se revelado uma festa ensolarada enfeitada por estrangeiros felizes com os jogos, com a eficiência do metrô, com os brasileiros, a caipirinha, Copacabana, Vila Madalena e a Bahia. Nenhuma arquibancada desmoronou, não houve arrastão em aeroporto, Angela Merkel não levou uma garrafada e “o rei da Suécia não morreu de dengue”, como escreveu Antônio Prata.

Independentemente da sorte do Brasil nas oitavas de final, ainda teremos jogos sensacionais. Com perdão do clichê, o importante é mesmo competir, isto é, levar-se a sério, jogar o melhor possível e não fazer feio – como Japão x Grécia. Diante das seleções do primeiro parágrafo (que tampouco são estáveis), as chances brasileiras não parecem entusiasmantes, mas poderemos brilhar, sim. Quando o jogo é limpo, a Costa Rica pode bater a Itália, o Uruguai e a Inglaterra.

Mas o melhor de tudo, de longe, é que, enquanto a Copa encanta chilenos, croatas, mexicanos, holandeses e colombianos, podemos olhar de esguelha para o iminente colapso da economia argentina que nos arrastará ao inferno, para o avanço sunita rumo a Bagdá e à terceira guerra mundial e para o dilema de Gilberto Kassab entre apoiar Geraldo Alckmin ou Paulo Skaf.

Não nos iludamos. Tão logo a Copa acabe, voltaremos ao pau de arara do debate político e à sucessão de pânicos, vandalismo, intolerância e inflação. Podemos escapar do blecaute de energia, do fim do investimento estrangeiro direto, da tempestade perfeita, da irresponsabilidade fiscal, do aparelhamento do Supremo Tribunal Federal, do leilão do campo de Libra, da falta de água na Cantareira, da depredação dos ônibus e das lixeiras, das vaias à presidenta, do avanço do bolivarianismo e dos trens da Alstom. Mas do ajuste final, da conta apocalíptica do fim dos preços represados, da mãe de todas as recessões que vem aí, i-ne-xo-ra-vel-men-te, não haverá saída. Esperem até depois das eleições. Será o caos com juros!

Como sabemos, não há almoço grátis, o cobertor não dá para todos, etc., etc. Depois que os preços aumentarem, elevaremos os juros para segurar a inflação e cortaremos os gastos públicos para pagar juros.

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A recessão gerará desemprego e melhorará a competitividade pelo barateamento da mão de obra.

“Não há saída”, repete o coro ditirâmbico dos economistas que governam para o mercado, não para a sociedade.

Pode ser diferente? É claro. Basta que cada um deixe de fazer precisamente o necessário para que aconteça a desgraça que pretende evitar e respeite o adversário. Basta procurar consenso, prestigiar as pontes entre o governo e a oposição – não narcisistas pagos para babar perdigotos –, fortalecer as instituições e não depredá-las. Mas, como faltam craques para driblar o jogo feio da política, o melhor a fazer é aproveitar cada instante de jogo bonito da Copa.

Ricardo Arnt é diretor da revista Planeta


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