O técnico Vicente del Bosque foi o primeiro a quebrar o ritmo da seleção da Espanha, na quarta-feira 18. Na saída do hotel Sheraton, no Leblon, no Rio de Janeiro, enquanto seus comandados seguiam à risca o protocolo de partida rumo ao estádio do Maracanã, local do jogo contra o Chile, caminhando em fila por uma saída lateral do lobby, del Bosque resolveu deixar o local pela porta principal e ser paparicado por hóspedes e torcedores. Começava aí a correria dos espanhóis. Primeiro foram os seguranças tentando escoltar o treinador até o ônibus da equipe. Posteriormente, o corre-corre foi em campo com os jogadores da La Roja, tentando evitar, em vão, uma decepcionante eliminação da atual campeã mundial. Chile 2 x 0 Espanha – fora da Copa já na segunda rodada. A tristeza da eliminação foi tão grande que ofuscou a aguardada cerimônia de proclamação de Felipe como rei da Espanha, no Parlamento, na quinta-feira 19. O futebol é a única paixão que une os espanhóis, divididos pelo movimento de emancipação da Catalunha e decepcionados com o eterno rei Juan Carlos.

abre.jpg
ESPANHA 2014
Comandado pelo brilhante Iniesta, 33 anos, o time da
Espanha se fiou nos momentos de glória e não renovou

Eram 14 horas quando o ônibus da delegação espanhola deixou o hotel. No trajeto, os jogadores não tiveram nem mesmo a chance de mirar o Cristo Redentor pela janela e pedir proteção divina contra um roteiro cujo final infeliz já estava rascunhado desde a estreia da equipe contra a Holanda – uma acachapante derrota por 5×1. A névoa branca que envolve o céu do Rio de Janeiro nesse período do ano – e que atrasou e cancelou voos na semana passada – impedia que o Cristo de braços abertos estivesse visível também aos olhos dos espanhóis, que, em seis anos, venceram duas Eurocopas (2008 e 2012) e a Copa de 2010, na África do Sul.

DECEP-02-IE.jpg
FRANÇA1998/2002
Após ganhar sua primeira e única Copa, e em casa, o time
de Zidane é eliminado na primeira fase sem fazer nenhum gol

Nunca houve uma hegemonia parecida no futebol. Foi com essa geração de jogadores que o Rio de Janeiro viu sucumbir a Espanha, que havia se tornado um gigante nesse esporte. Para o desalento de talentosos jogadores como Casillas, Xavi e Iniesta, além de não alcançar o bicampeonato mundial – algo que não ocorre desde 1962, quando o Brasi levantou sua segunda Jules Rimet em sequência –, La Roja reforçou uma desonrosa estatística: nas últimas quatro Copas, pela terceira vez, a vencedora da edição anterior é eliminada logo na primeira fase. A idade avançada da espinha dorsal da equipe espanhola, os parceiros de meio-campo Xavi, 34, e Iniesta, 33, responsáveis por reger o estilo de jogo “tiki-taka” (calcado na posse de bola e em passes curtos e rápidos), é uma das razões que explicariam o fracasso. “Não conseguimos repetir o que vínhamos fazendo. Estivemos no topo por muito tempo e agora estamos embaixo”, disse Iniesta. Com um elenco composto por 16 jogadores que estiveram no Mundial da África do Sul, a Espanha é o time com maior número de veteranos na história das Copas, como aponta Paulo Vinícius Coelho, comentarista dos canais ESPN. Superou a França, que em 2002 tinha 15.

DECEP-03-IE.jpg
ITÁLIA 2006/2010
Após o triunfo na Alemanha, quando alcançaram o tetra,
os italianos dão vexame e nem chegam às oitavas de final

Com uma provável renovação espanhola à vista, seria a decadência dessa filosofia de jogo admirada por muitos e tida como chata por outros tantos? Não, de acordo com o jornal italiano “Gazzetta dello Sport”, que afirmou, logo após a eliminação espanhola, que o tiki-taka mudara de passaporte e agora é italiano. Referia-se ao índice de 93,1% de passes certos atingido pela Azzurra em sua estreia contra a Inglaterra, um recorde na história dos Mundiais.

Fotos: Shaun Botterill/Getty Images; Gianlucigi Guercia/AFP/Getty Images Nicole Seelinger; Reprodução