O respeito devido a alguém justifica-se por seus feitos do passado, pela posição que ocupa no presente, pela sua idade ou gênero? Não seria respeito algo que se conquista diariamente? Algo que se acumula aos poucos e se perde, quase sempre, de uma só vez? Tenho acompanhado, de longe e com certa incredulidade, o debate que se seguiu ao xingamento público da presidenta da República na abertura da Copa no Brasil. E como, na minha opinião, os argumentos usados para apoiá-la ou atacá-la têm a profundidade de uma poça d’água, me dou por convencida de que a fera da sucessão está solta e é bicho dos mais perigosos.

Antes que me acusem de não tomar posição no debate, declaro que condeno e envergonho-me do que Dilma ouviu naquele estádio, naquele dia.

Mas não por ser ela mulher e menos ainda por ter sido ela uma defensora aguerrida da democracia em nossos anos de chumbo. Como disse antes, respeito não é coisa que se conquiste para sempre por um feito do passado ou por uma condição involuntariamente adquirida. Mas, se desejamos um país no qual as instituições tenham algum valor, é preciso sim respeitá-las. Dilma representa uma instituição. Ela é a presidenta da República, eleita nas urnas num processo integralmente apoiado pela legislação brasileira e esse deve ser o valor maior de qualquer país que abraça e ama a democracia.

A democracia prevê liberdade de expressão para todos. Perdem a razão aqueles que desperdiçam essa prerrogativa esbravejando desaforos, escondidos sob o manto do anonimato da multidão. Por outro lado, o coro entoado, por abjeto que seja, manifesta uma opinião. O que se ouviu ali, numa tradução livre e bastante pessoal, foi: “Ei, deixe-nos aqui com o esporte que amamos. Vamos torcer, apesar de todas as denúncias de desvio de dinheiro, toda a falta de planejamento, toda a vergonha da ausência de infraestrutura brasileira. Mas deixe-nos torcer em paz e não queira, nem por um segundo, se aproveitar politicamente da nossa paixão.”

Ora, dizer que esse recado é coisa de mauricinhos e patricinhas covardes ou de “coxinhas” é polarizar radicalmente o debate eleitoral e jogar no lixo o que poderia ter sido um momento de reflexão sobre a oportunidade da Copa no Brasil, sobre nossas fragilidades, sobre a praga da corrupção e, acima de tudo, sobre os distintos pontos de vista sobre qual deveria ser a condução da política econômica e sobre que futuro a maioria dos brasileiros deseja para si. Não há “coxinhas” de um lado e trabalhadores de outro a não ser no proposital desvio do debate político para a humilhação e o escárnio de um lado e de outro.

Tive muita vergonha do que vi e ouvi naquele dia, pela tevê. Do repetido refrão dos “yellow blocks”, como os batizou minha amiga de profissão Eliane Trindade. Mas tive vergonha igual do patamar a que chegamos no bate-boca que se seguiu à ofensa. E que antecipa tudo de que não precisaremos neste momento: um debate eleitoral dos mais radicais e menos profundos da história brasileira.

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Ana Paula Padrão é jornalista e empresária


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