As estatísticas não mentem: jogar em casa é uma vantagem e tanto no futebol. Dados de diversos campeonatos nacionais ou continentais mostram que as chances de a equipe visitante vencer um time que está jogando em seu estádio e com o apoio de sua torcida é inferior a 30%. No Campeonato Brasileiro, por exemplo, os times que jogaram em casa na temporada de 2013 perderam apenas 25% das partidas disputadas em seus estádios. Na Premier League, a primeira divisão do futebol inglês e um dos maiores campeonatos de futebol do mundo, os visitantes saem-se um pouco melhor que os brasileiros: em média, conquistam 27% das partidas que disputam fora de casa. São números impressionantes e fosse o futebol uma ciência exata como a estatística seria fácil prever que uma equipe forte e tradicional como o Brasil disputando uma Copa do Mundo em seu território seria praticamente imbatível. Mas a realidade, para a alegria daqueles que amam as imprevisibilidades do futebol, não é bem essa. Ainda mais em um campeonato como o que ocorre no Brasil, em que as torcidas estrangeiras, em especial as latino-americanas, estão invadindo os estádios e fazendo seus times se sentirem em casa.

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NEYMAR NA REDE
A intensidade de se jogar dentro de casa pode ter
efeitos diferentes em cada jogador

O fator torcida parece, de fato, ter sido determinante para que alguns países conseguissem conquistar títulos mundiais inéditos ou mesmo avançar a etapas nunca antes imaginadas por seus mais otimistas torcedores. Mas em um número de casos quase igual o fato de estar se jogando em casa não contribuiu em nada para que seleções tradicionais, com equipes fortes, conseguissem reverter essa vantagem estatística em vitórias e, por fim, na conquista de campeonatos mundiais.

Perder uma Copa em casa é muito mais comum do que possa parecer. Dos oito países que já conquistaram um título mundial na história, cinco deles sediaram Copas do Mundo e perderam títulos em casa. O caso mais emblemático, ao menos para os brasileiros, é o do campeonato mundial de 1950. O Brasil chegou àquela final em um Maracanã com cerca de 200 mil pessoas – 10% da população carioca da época – certo de que seria o vencedor. O fracasso em casa também se abateu, por exemplo, sobre a Itália em 1990. Apenas oito anos antes a Azzurra havia vencido a Copa de 1982, na Espanha, de forma heroica e a esperança da conquista do tetra campeonato era enorme. Deu Alemanha.

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Em média, uma equipe que joga com o apoio de sua torcida
tem 70% de chances de vencer ou empatar uma partida

Na outra ponta, times como França e Inglaterra foram claramente influenciados pelo fato de estar jogando em seu território e conquistaram ali seus únicos títulos da história. Assim como a Coreia do Sul, uma equipe sem nenhuma tradição na história dos mundiais, conseguiu conquistar um improvável quarto lugar no campeonato disputado em seu território.

“Esse é um tema controverso e que varia muito de atleta para atleta”, diz o psicólogo João Ricardo Cozac, presidente da Associação Paulista de Psicologia do Esporte. “Para alguns, esse fator torcida, o apoio da população, é um incentivo imenso. Para outros, é uma pressão difícil de controlar”, diz ele. Cozac defende que seja feito um detalhado perfil psicológico de cada um dos 23 jogadores da equipe para definir como será o trabalho com cada um deles, de forma individualizada. “O perfil de personalidade e as características de tendência de comportamento competitivo são fundamentais para o sucesso ou para o fracasso.”]

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DOIS MOMENTOS
Em 1950 (acima), o Brasil não se beneficiou por jogar em casa,
enquanto a Inglaterra só venceu uma Copa em seu território

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Nesta Copa do Brasil, os jogadores da Seleção têm vivido intensamente toda a pressão e todo o incentivo de se jogar em casa. É fácil perceber isso em diversos momentos. O mais claro deles tem acontecido no momento em que os torcedores abandonam o protocolo da Fifa e passam a entoar o Hino à capela. Na partida contra o México, em Fortaleza, na terça-feira 17, Neymar Jr. foi aos prantos. Júlio César, o tão contestado titular no gol do Brasil, também não tem contido as lágrimas.

Para Renato Gaúcho, um jogador que atuou por diversos dos maiores times brasileiros, esse apoio é positivo para o País. “A torcida te empurra, faz você tirar forças de onde pensa que não tem.” Já Djalminha, que venceu a Copa América com o Brasil em 1996, reconhece que as arquibancadas podem influenciar o jogador de forma negativa. “A torcida funciona como termômetro, se vaiar é porque o time está mal. O jogador é influenciado por essa energia.”

Com a invasão dos latino-americanos, nem sempre há garantia de
que o Brasil jogará com o apoio de 100% da torcida

Nesta Copa do Brasil, no entanto, nem sempre jogar em casa significa ter toda a torcida a seu lado. Com a invasão dos torcedores estrangeiros, em especial a dos latino-americanos, que parecem às vezes até mais empolgados do que o público brasileiro que tem ido aos estádios, o grito mais alto pode não ser em português. Foi o que aconteceu em diversos momentos em Fortaleza. O Castelão tinha ao menos 25% de seus lugares tomados por mexicanos, que, em vários momentos, abafaram a torcida brasileira e fizeram a equipe de Chicharito se sentir em casa.

Na segunda-feira 23, a equipe de Felipão vai poder mostrar de forma definitiva como está sendo influenciada pelo fator torcida. No Mané Garrincha não haverá invasão camaronesa e, a partir de agora, todo jogo é eliminatório. Mesmo contra Camarões. Um derrota pode colocar fim ao sonho de o Brasil, enfim, conseguir apagar o trauma de 1950 e conquistar uma Copa do Mundo em casa.

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Fotos: Pool New/Reuters/Latinstock; Marcelo Piu/Agência O Globo