Pressionado pelos sucessivos recordes de congestionamentos em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab deve colocar em vigor o rodízio para veículos de carga na cidade. No Rio de Janeiro, desde a semana passada, está vetada a circulação de caminhões no centro, na orla marítima e em 26 vias nos horários de pico. São medidas paliativas para tentar atenuar o caos no trânsito e promover a mobilidade nas duas cidades. "É preciso soluções de longo prazo. O que for feito nos próximos 30 anos afetará decisivamente a forma como as próximas gerações se moverão no futuro", diz a geóloga escocesa Shona Grant, especialista no assunto, que vem ao País nesta semana para debater o tema, a convite do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável.

ISTOÉ – No Brasil existe um abismo entre o sistema de transporte que as pessoas querem e o que as cidades provêem. Quais as conseqüências disso?
Shona Grant – Grandes congestionamentos, deterioração do sistema de transporte público, uma parcela da população que não consegue se mover porque não tem dinheiro para pagar a passagem e outra que não quer usar o sistema porque acha que ele não funciona. O comércio também é afetado. Um país como o Brasil precisa transportar produtos de forma mais eficiente e barata para poder competir no mercado global. É preciso enxergar a movimentação do produto como um sistema. O processo atual é caótico. Cada um transporta de um jeito e ninguém pára e pensa em como otimizar isso.

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SHONA cita Cingapura e Tóquio como bons exemplos

ISTOÉ – Restringir o acesso da população à compra de carros é uma solução para melhorar a mobilidade nos países emergentes?
Shona Grant – Não é a melhor opção. Em Xangai, por exemplo, foi criado um sistema de leilão para comprar a placa do carro. Elas custam muito mais do que o veículo. Acho isso excludente. É simplista pensar que as ruas estão enchendo só porque os pobres estão conseguindo comprar carros. São pessoas que ganham pouco. Se tivessem à disposição um sistema eficiente e barato para leválas de casa para o trabalho, certamente não usariam seus carros, assim como os ricos.

ISTOÉ – Que cidades conseguiram proporcionar mais mobilidade à sua população?
Shona Grant – Cingapura e Tóquio têm sistemas bem desenvolvidos, baseados principalmente em trens e em metrô, e as pessoas não precisam percorrer grandes distâncias para acessá-los. Integrar diversas formas de transporte público é a melhor maneira de mover muitas pessoas de um ponto a outro. Na Europa, algumas cidades criaram um sistema em que a população dos subúrbios vai de carro até as linhas de transporte, deixa o veículo em um estacionamento e dali segue de trem ou de metrô para o centro. Outras, como Londres, adotaram o pagamento de uma taxa para circular de carro pela área central. São medidas que ajudaram a reduzir os engarrafamentos.

ISTOÉ – Neste passo, como a humanidade se moverá dentro de 50 anos?
Shona Grant
– Essa é a grande questão para a qual ainda não temos resposta. A tecnologia vai promover mudanças, mas a maior delas precisa vir dos governantes. É preciso modificar a mentalidade imediatista e concentrar forças em planejamento, pensar em soluções também para o longo prazo. É absurdo um ser humano se habituar a passar duas horas por dia preso em engarrafamentos.

"CINGAPURA E TÓQUIO TÊM SISTEMAS BASEADOS EM TRENS E EM METRÔ, E AS PESSOAS NÃO PRECISAM PERCORRER GRANDES DISTÂNCIAS PARA ACESSÁ-LOS"