Não é só a guerra das cervejas que acirra os ânimos dos fabricantes de bebidas. Correndo por fora, o mercado brasileiro de águas engarrafadas vem atraindo a atenção de gigantes. Por trás desse interesse está o sétimo maior consumo mundial do produto, com três bilhões de litros em 1999, segundo o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). O potencial, no entanto, é para muito mais. O País tem a mais elevada taxa de crescimento do setor. Enquanto o maior consumidor de água engarrafada – os Estados Unidos – ostentou um índice de 34% entre 1994 e 1998, o Brasil ampliou suas vendas em nada menos que 108% no mesmo período, saltando para um acumulado de 130% até o ano passado. Os fatores que levaram a isso são vários, desde a insatisfação do consumidor com a água dos sistemas públicos de abastecimento até a proliferação de distribuidores do produto, que popularizaram os garrafões de 20 litros entre os supermercados de periferia. Além disso, há a escassez de água, principalmente no Nordeste, que faz de Pernambuco o segundo maior consumidor de água mineral do País, perdendo apenas para São Paulo. No Recife, por exemplo, a água mineral é questão de sobrevivência e o consumo por pessoa supera o dos Estados Unidos, de acordo com o DNPM.

Esse conjunto de aspectos resultou em uma explosão de marcas de águas engarrafadas nas prateleiras dos supermercados. Nestlé, Brahma, Coca-Cola, Antarctica e Schincariol chegaram para disputar um mercado extremamente pulverizado. As vantagens que essas empresas têm frente aos concorrentes menores são claras: dominam os canais de venda e possuem uma infra-estrutura de distribuição capaz de espalhar suas marcas pelos quatro cantos do Brasil. Com tanto poder de fogo, ninguém duvida que esses gigantes dominarão sozinhos o mercado. Das 234 empresas que hoje industrializam água mineral no País, um terço deve desaparecer ou ser alvo de aquisições, na opinião de René Simões, consultor especializado em água mineral. Em paralelo ao movimento de concentração, Simões prevê a chegada de novos concorrentes. “Pelo menos duas marcas internacionais entram no País este ano”, diz. Quem já está por aqui também promete acirrar a disputa. A Nestlé, maior engarrafadora de água do mundo, quer repetir a liderança em terras brasileiras. Hoje, a empresa ocupa a terceira posição, considerando suas três marcas de água mineral – Petrópolis, São Lourenço e Levíssima, que juntas responderam por 2,73% do mercado em 1999. Disparado no topo do ranking nacional está o grupo Edson Queiróz, que contabiliza 18,5% das vendas com as marcas Indaiá e Minalba, seguida da paranaense Ouro Fino, com 3,02%. Regionalmente não existem estatísticas oficiais, mas cada fabricante arrisca a sua. No disputadíssimo mercado da Grande São Paulo, a Crystal garante que é líder. “Temos 26,6%, segundo dados da Nielsen”, assegura Edgar Galbiatti, gerente de produto da Crystal, marca de água mineral da Panamco, maior fabricante de Coca-Cola no País.

Além de aumentar as vendas nas áreas onde já atuam, o desafio dos produtores é ampliar horizontes. “Temos projetos para exportar a Levíssima para o Mercosul”, conta Nicolas Valtério, gerente de marketing da São Lourenço, empresa que concentra os negócios de água da Nestlé no Brasil. Quem também parte para novas praças é a Crystal, que planeja alcançar o Rio de Janeiro e o Paraná. No sentido inverso, a Ouro Fino quer espaço em São Paulo. Se a briga já está boa considerando apenas os atuais concorrentes, imagine o que virá pela frente se a maior fabricante de cervejas do Brasil partir para o ataque. É isso mesmo: tudo indica que a gigante AmBev não vai deixar passar despercebido um mercado que cresce a taxas próximas de 20% ao ano.

Fonte natural – Por enquanto, as tentativas isoladas da Brahma e da Antarctica neste mercado foram um fiasco. A primeira detém a marca Fratelli, sem muita expressão, encontrada apenas em algumas cidades da Bahia e em Curitiba (PR). A Antarctica é dona da Pérola, uma água adicionada de sais que também não emplacou. Este tipo de produto foi pivô de uma batalha judicial perdida pela própria Brahma, obrigada a retirar do mercado a marca Fonti, sob acusação de induzir o consumidor a erro. Água adicionada de sais nada mais é do que água comum, tratada com uma solução especial de minerais que busca torná-la o mais parecida possível com a verdadeira água mineral, retirada de uma fonte natural.

Não se sabe para quais dos tipos a AmBev deve dirigir seu foco, possivelmente para ambos, mas a empresa já acenou que tem interesse. Recentemente criou a divisão de bebidas não-alcoólicas e anunciou que pretende incrementar sua participação em um negócio considerado promissor. Não é para menos. O consumo per capita de água mineral é de aproximadamente 16 litros no Brasil, contra 136 na Itália e 117 na Bélgica. “As estimativas indicam que em oito anos atingiremos o volume consumido hoje pela França”, diz Carlos Alberto Lancia, presidente da Abinam, que reúne a indústria de águas minerais. A entidade é contra a presença das águas adicionadas de sais no mercado nacional. Na opinião de Lancia, não existe razão para um país tão rico em água mineral permitir o engarrafamento de um produto menos nobre, que atualmente detém menos de 1% do mercado. A Nestlé, no entanto, promete incrementar a presença da Pure Life, sua marca de água adicionada de sais. Lançada como um projeto mundial da companhia, a Pure Life quer ser sinônimo de água Nestlé em todo o mundo. Já está na China, no Paquistão e no México, além do Brasil.