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GRINGO Nos Estados Unidos, é comum os homens terem suas cavernas em garagens

A imagem é popular nos Estados Unidos: o chefe da família entretido com algum hobby, lendo confortavelmente um livro na poltrona ou consertando algum equipamento na garagem, no sótão ou no porão da casa. Lá, é comum o homem ter sua “caverna”, um local onde pode se refugiar do barulho das crianças ou da confusão do lar. A caverna doméstica se tornou tão freqüente – e desejada – nos dias de hoje que a tendência foi registrada no ano passado na publicação anual What’s In – what’s out with homebuyers (O que está na moda e o que não está com quem compra imóveis), referência para mapear as novidades no mercado imobiliário americano. “São espaços personalizados nas casas, onde as pessoas podem trabalhar e se divertir sem ser incomodadas”, definiu o corretor de imóveis Mark Nash na publicação.

Os homens brasileiros também começam a querer suas “cavernas” e a solicitar dos arquitetos um cantinho para chamar de seu. “Eles buscam um espaço para poder reunir amigos, mas onde também possam ter privacidade”, afirma a arquiteta Bya Barros. Segundo ela, os locais exclusivos para eles são mais comuns porque homens sabem se divertir melhor em grupo do que mulheres, além de serem mais propensos a ter hobbies e a colecionar objetos. As cavernas modernas podem ser adegas subterrâneas, escritórios estilizados, uma oficina de ferramentas na garagem ou uma sala de música.

 CLAUDIO GATTI/AG. ISTOÉ
“Meu antigo escritório virou uma sala de brinquedos”
Washington Olivetto

O publicitário Washington Olivetto, 56 anos, tem uma “caverna” no seu apartamento, em São Paulo. É um escritório de 40 m2 com centenas de livros, discos, carrinhos de brinquedo, objetos pessoais, presentes de amigos, que tem um elevador privativo. Seu objetivo não é se isolar, mas trabalhar. É lá que o inquieto publicitário se desliga da correria diária da agência W/Brasil e escreve durante uma hora e meia todos os dias os seus artigos, editoriais e livros. “Nos fins de semana, abro uma garrafa de vinho, ouço música e admiro a vista da cidade”, diz Olivetto, que desfruta de um visual privilegiado no seu escritório, situado no dúplex acima da cobertura do prédio onde mora, nos Jardins. Até o ano passado, sua caverna era um dos quartos do apartamento no andar de baixo, mas o local foi dominado pelos novos donos. “Meu antigo escritório virou uma sala de brinquedos. Fui expulso pela Antônia e pelo Theo, meus filhos gêmeos de três anos. Saí porque não queria atrapalhá-los”, diverte-se.

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Quem mora em casa tem mais facilidade de obter sua caverna. O engenheiro civil Walter Haidar, 54 anos, construiu um anexo à garagem que virou uma sala de ferramentas e de entretenimento. Lá, o tempo voa todas as noites quando Haidar dá vazão a um dos seus hobbies preferidos: consertar objetos e equipamentos de familiares e vizinhos. “Tá estragado? Eu vou lá e resolvo”, promete. O hábito começou na infância, quando o engenheiro acompanhava seu pai, que remendava e consertava de abajur a porta emperrada. Na pequena sala de 30 m2, Haidar se entretém com mais de 300 ferramentas, entre serradeiras, furadeiras, máquinas para cortar pedra, pedaços de madeira, computador e um videogame Playstation. “Até minha filha tomou gosto pela coisa e fica horas aqui na oficina”, afirma.

Ter uma caverna pode ser essencial para os colecionadores. Às vezes, a coleção é tão grande que não cabe em lugar nenhum dos espaços comuns da casa. É o caso de Osvaldo Pace, o maior colecionador de autoramas do País, que precisou montar uma sala de 72 m2 no sítio onde mora, no interior de São Paulo, para abrigar os mais de dois mil carrinhos e a pista de 23 metros, com seis faixas para corrida. Desde que estruturou o local, há uma década, Pace fica pelo menos dez horas por fim de semana namorando as peças. “Nada como ter um refúgio. É um sonho que cultivava desde a infância”, revela. A caverna de Pace também se transformou no ponto de encontro de um grupo de dez amigos, colecionadores e aficionados pela pista de corrida.

 DIVULGAÇÃO
“Nada como ter um refúgio. É um sonho que cultivava desde a infância”
Osvaldo Pace, colecionador de autoramas

Na alegoria Mito da caverna, Platão simboliza este ambiente como uma estrutura de aprisionamento e isolamento do mundo externo. Estaria isto ocorrendo com o homem contemporâneo? Para a filósofa Márcia Tiburi, espaços reservados em casa podem ser benéficos para melhorar a relação com a mulher e os filhos, mas deve haver limites para que o homem não se isole. “Não se pode perder o espaço de convívio comum, usar o local para se esconder dentro de casa e evitar o contato com os familiares”, afirma.

Para o jornalista e apresentador Marcelo Tas, 48 anos, porém, este espaço próprio pode ser importante até para preservar o casamento. “Minha esposa acha ótimo que eu fique no escritório. Uma das melhores coisas para o relacionamento é nem sempre estar presente para os assuntos domésticos”, diz ele. Depois de mudar de um pequeno apartamento para uma casa, Tas conseguiu montar a sua sonhada caverna.

CARLOS VILLALBA/AG. ISTOÉ

“Até minha filha tomou gosto pela coisa e fica horas aqui na oficina”
Walter Haidar

No segundo casamento, pai de três filhos, de 19, seis e três anos, ele conseguiu a privacidade que almejava. “É o meu canto, um lugar para ler, estudar, pensar e guardar o meu acervo”, diz ele, que armazenava os mais de dois mil livros, 1,5 mil filmes, 500 CDs e milhares de revistas em mais de 20 caixas, espalhadas por todo o apartamento antigo. Em outubro do ano passado, ele criou um anexo em cima da garagem da nova casa. A sala tem 50 m2, dois computadores, estantes, um confortável sofá e uma sacada com um banco ao ar livre para tomar vinho. “Passo a manhã inteira lá, sozinho. É onde me sinto mais à vontade”, diz. O homem, quem diria, quer voltar para a caverna.


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