Essa é uma história sobre uma guerra quase desconhecida, e nada, nada fria, travada durante os 72 anos em que o marxismo-leninismo reinou nos países socialistas: a batalha entre as piadas de rua e o humor oficial do mundo comunista. Com um trocadilho como título, sai em português “Foi-se o Martelo” (“Hammer and Tickle”) uma narrativa sobre o mundo soviético que a sociologia política ainda não tinha colocado na estante de intimidades comunistas reveladas após a queda do Muro de Berlim. Nascido como documentário feito por Ben Lewis para a BBC, virou livro depois de um sucesso maior que o esperado entre o público inglês diante da incrível vitalidade e da carga histórica privilegiada das anedotas nascidas sob a égide socialista na Europa e na Rússia.

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ABRE ALAS
No governo de Lênin, as piadas mais correntes
debochavam da ingenuidade da nova ideologia

Em muitas entrevistas colhidas nas terras da ex-União Soviética e em documentos de universidades, Lewis detectou dois tipos de humor comunista. As piadas não oficiais, clandestinas, populares e anônimas, as melhores, que mostravam as falhas e os crimes do comunismo. E a comédia oficial, veiculada pelas revistas satíricas, shows de cabaré, que tentava ganhar a simpatia para a causa em peças que têm mais graça pelo ridículo da tentativa do que pela efetividade.

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O PIOR DE TODOS
Sob Stalin os soviéticos criaram o melhor de seu humor negro

O autor recuperou pérolas como “1.001 Piadas”, que o escritor Jan Kalina conseguiu publicar em 1969 na Bratislava depois de três anos de espera, embora não houvesse outra obra na fila da gráfica. Os 25 mil exemplares impressos esgotaram-se em duas semanas. O escritor eslovaco foi acusado pelo Estado de deturpar a paz por causar risos entre os linotipistas da gráfica, perturbando o ambiente de trabalho da empresa estatal. No interrogatório, que durou três dias, Kalina teria respondido à primeira questão com uma das piadas do livro sobre a pouca inteligência da polícia soviética: “O que eu estava fazendo no dia 23 de outubro, às 17h15? Ah, claro, olhando para o relógio e para o calendário”.