Entre as versões mais conhecidas do conto de fadas “A Bela Adormecida”, uma foi escrita pelo francês Charles Perrault e outra, pela dupla alemã Os Irmãos Grimm. A adaptação em cartaz nos cinemas, estrelada por Angelina Jolie, optou, no entanto, por transportar a ação para a Inglaterra medieval. Faz sentido, já que o filme foi inteiramente rodado nos arredores de Londres. Com todos os seus luxos e brilhos, “Malévola”, que traz Angelina como a fada má, custou aos cofres dos estúdios Walt Disney (americano) US$ 200 milhões. Poderia ter consumido muito mais se tivesse sido feito em Hollywood, onde os preços estão nas alturas. O longa estacionou nesse patamar porque o governo inglês adotou uma política de incentivos fiscais que reembolsa as produções filmadas no país em até 25% de suas despesas. Tais facilidades têm provocado uma verdadeira corrida do ouro para as margens do rio Tâmisa. Nesta mesma semana outro filme em cartaz tem sotaque britânico: a ficção cientifica “No Limite do Amanhã”, estrelada por Tom Cruise, que se abre com uma estonteante sequência aérea de um helicóptero de guerra flutuando sobre cartões-postais como o Big Ben e aterrissando em plena Trafalgar Square, no centro nervoso da capital inglesa.

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PRÓTESES
Angelina Jolie em "Malévola": quatro horas de maquiagem para ficar má

A lista de títulos é vasta. Filmes recentes sobre os quais não se lançaria qualquer suspeita de procedência, já que seus enredos não definem datas ou locais, foram rodados em estúdios londrinos como Pinnewood, Levesdean, Longcross e Shepperton – nas redondezas de Londres existem cerca de 30 deles. “Branca de Neve e o Caçador”, com Kristen Stewart, e “Thor 2: O Mundo Sombrio”, com Chris Hemsworth, ganharam vida nesses galpões. Há também as aventuras de ação que exploram justamente o novo visual da capital inglesa, com seus prédios e construções de linhas arrojadas, a exemplo de “Velozes e Furiosos 6”, com Vin Diesel, ou “O Conselheiro do Crime”, com Brad Pitt. Da nova safra, nos próximos meses chegam às telas produções que se passam por americanas, mas são inteiramente “british” no acabamento: “Guardiães das Galáxias” e “O Destino de Júpiter”. E na fila para o ano que vem aparecem pesos pesados como “Os Vingadores 2 – A Era de Ultron” e “Guerra nas Estrelas – Episódio 7”. Se continuar assim, Hollywood corre o risco de se tornar apenas um letreiro nas colinas de Beverly Hills, encimando um amontoado de salas de reuniões, como declarou irritado o advogado de Tom Cruise, Matt Galsor, ao site TheWrap, voltado para cinema. “A lição aqui se traduz em cinco palavras: a legislação californiana é estúpida”, disse.

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NO BOSQUE
Elle Fanning como Aurora, a Bela Adormecida:
filmagens nas matas de Ashridge Park

Há algum tempo essa migração de produções americanas para outros países já vinha acontecendo. A razão, claro, sempre foi os altos custos para se filmar em Hollywood, que ficam ainda mais impraticáveis por causa das constantes reivindicações de roteiristas, artistas gráficos e técnicos em geral. Rodar na Hungria já foi uma saída. Mais recentemente, o Canadá usou a mesma estratégia para atrair polpudos orçamentos. Mas hoje a Inglaterra se mostra imbatível. Em abril, George Osborne, espécie de ministro da fazenda (seu título é de “chanceler do tesouro público”), colocou em prática um adendo à lei que reembolsa as produções baseadas no país, aumentando ainda mais o índice de abatimento para superproduções e ampliando o seu alcance para tevê digital, videogames e efeitos especiais. Filmes com orçamentos superiores a US$ 33 milhões, caso de “Malévola” e “No Limite do Amanhã”, são restituídos em 20% dos gastos. Foi a partir desse anúncio que se confirmou a gravação do novo “Guerra nas Estrelas” nas terras de Rei Artur, o que obrigaria a abrir lá uma filial da ILM – Industrial Light & Magic, produtora de renderização digital criada por George Lucas e hoje da Disney. Segundo o British Film Institut (BFI), a Ancine dos ingleses, em 2013 foram produzidos no país 37 longas estrangeiros que geraram dividendos na ordem de US$ 1,5 bilhão – o setor cresceu 14% em relação ao período anterior. Neste ano, já são 26 confirmados. Se alguém acha que a Rainha anda muito generosa, basta fazer a prova dos nove. Na conta do BFI, para cada libra gasta em reembolso, entram 12 libras no caixa. “Essa nova legislação transforma a Grã Bretanha num destino altamente atrativo para cineastas estrangeiros e torna a produção local sustentável na competitividade global”, disse Amanda Nevill, CEO do BFI.

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FICÇÃO
"No Limite do Amanhã", com Tom Cruise:
cena no centro de Londres e aeroporto criado em estúdio

Com o novo impulso, outro empecilho tipicamente inglês começa a cair por terra: a burocracia na liberação de locações. Nesse sentido, a cena de “No Limite do Amanhã” passada em Trafalgar Square pode ser considerada um marco, já que nem durante a guerra um helicóptero pousou no local. “Velozes e Furiosos 6” promoveu um pega nas ruas de Londres e “O Destino de Júpiter” tem cenas em pleno Museu de História Natural. Após rodar “No Limite do Amanhã” totalmente na Inglaterra, o diretor Doug Liman saiu falando maravilhas de tudo e colocou a mão de obra local entre as melhores do mundo. “Gravidade”, por exemplo, com cenas filmadas em Pinnewood, ganhou todos os Oscar técnicos. Liman só reclamou das chuvas.“O tempo em Londres não é dos melhores, especialmente quando se tem de gravar a maior parte da história em externas”, disse ele, referindo-se ao habitual céu cinzento da cidade.

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Fotos: montagem sobre foto divulgação/Shutterstock, Divulgação; Courtesy of Warner Bros